terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O corpo é meu! - Denise Duhamel

Vai uma nova versão/tradução, para fechar este primeiro ano do blog
"Juntando Palavras". Tradução minha, com revisão de Sabrina Lopes.
Como sempre, comentários e sugestões serão bem-vindos.


“Era-se um tempo em que a Barbie nem podia dobrar
os joelhos”, eu falo para minhas sobrinhas Kerri e Katie
que sentam na minha frente no chão da sala
desta América de colarinho azul e rosa. Estão abrochando as minúsculas
calças de courino
nas suas Barbies Roqueiras
e grandes guitarras pretas
sobre seus ossudos quadris de relâmpago. Katie me entrega
sua boneca porque precisa da minha ajuda
com os pequenos botões que serpenteiam nas costas
da blusinha tomara que caia da Barbie. “Minha primeira Barbie
nem podia mover a cintura”. Eu estou falando como alguém
que já vivesse o suficiente
para ver mudanças significativas. Minhas sobrinhas
estão de costas para a TV que parece estar sempre ligada,
onde eu estiver. E atrás de suas cabecinhas
loiras inocentes, Jessica Hahn
faz uma aparência-relâmpago num vídeo da MTV.
Ela roda como uma sexy bola de pinball ,
e tenta desesperadamente sair de uma jaula côncava.
“O corpo é meu”, recentemente ouvi ela dizer
numa entrevista matinal na TV. Ela começou
justificando suas fotos nuas na Playboy.
“O corpo é meu”, ela repete
como uma boneca Chatty Cathy
com um disco arranhado enfiado nas costas.
“O corpo é meu”, ela começava a responder
a toda e qualquer pergunta do entrevistador –
onde ela cresceu, se ainda vai à igreja.
“O corpo é meu?”
Ainda assim as palavras eram as mesmas,
mas quanto mais acusações, mais mudavam
suas inflexões. Jessica olhava para além
do set onde alguém lhe parecia estar dando
pistas. Meu namorado dava risada.
“Que tal pôr um pouco de convicção nisso, Jessica?”,
ele falava para a TV. Então, tentando estimular
mais a conversa, ele me dizia, “Olha, meu bem,
ela nem parece saber se o corpo é seu
ou não!” Ele tinha razão
mas sabia enquanto o colocava
que tinha escolhido as palavras erradas.
Eu tinha bebido muito café. Encontrei-me
defendendo Jessica energicamente,
culpando sua desorientação
como resposta a nossa sociedade misógina –
o deslocamento que todas as mulheres sentem
do seu eu corporal.
E depois com todas essas teorias que eu vinha lendo!
Ele foi trabalhar mais ou menos concordando
mas dizia também que o tinha deixado exaurido.
E agora minha irmã me culpa da mesma coisa
porque assinalo para Katie que ela está errada
ao pensar que só meninos devem sujar-se
e só meninas usarem brincos.
“As pessoas devem fazer qualquer coisa que desejarem”.
Discorro sobre minha amiga que usa capacete
quando vai ao trabalho onde mexe
com eletricidade igual seu pai.
Katie brinca com seus cadarços
e pede suquinho. Minha irmã diz,
“Deixe ela em paz. Nem entrou no primário ainda”.
Kerri, a maior, se concentra, tentando
passar um grande pente para humanos
no cabelo sintético cheio de gel
da boneca. Por tanta força que exige desemaranhá-lo
de repente, sem querer, sai a cabeça da Barbie,
e uma menor, sem rosto, suporte apenas,
emerge do pescoço. Por um instante
nós todas – dois pares de irmãs, com um
intervalo de vinte anos – compartimos a epifania
sobre Mattel: lavagem cerebral, pedaço de plástico
que nos diz quem Barbie é. Mas logo
o rosto de Kerri é todo pânico, como esperando um castigo.
As lágrimas despontam no canto dos seus olhos.
Faço um resgate rápido,
enfiando a cabecinha moldada
de novo no corpo, seus traços maleáveis
se distorcendo sob meu polegar. Apesar de boneca adulta,
sua moleira ainda está aberta. Sob a pressão
do meu toque, seu rosto esmaga, como alguém
que se olha na casa dos espelhos.
Mas ao soltá-la, ela imediatamente volta,
o sorrisinho educado, o nariz perfeito
e pronta para pôr tudo em seu lugar:
a Barbie pertence à América -
metade vítima, metade pequeno soldado
cor-de-rosa.

domingo, 20 de dezembro de 2009

"It´s my body" - Denise Duhamel.

[A nova tradução está quase pronta... por enquanto, posto em versão original]

“There was a time when Barbie couldn’t even
bend her knees,” I told my nieces Kerri and Katie
who sit before me on a living room floor
in blue and pink collar America.
They are strapping their Rock-n-Roll Barbies
into tiny leatherette pants
and big black guitars
with jagged lightning hips. Katie hands me
her doll because she needs help
with the tiny buttons that snake the back
of Barbie’s off-the-shoulder blouse. “My first Barbie
couldn´t even twist her waist”. I am talking
like a person who has lived long enough
to see significant change. My nieces
have their backs to the TV which seems always on,
wherever I am. And behind their blond
innocent heads, Jessica Hahn
makes a cameo appearance on an MTV video.
She rolls like a sexy pinball,
then tries to claw herself out of a concave cage.
“It’s my body”, I recently heard her say
on a morning talk show. She started
by defending her nude poses in Playboy.
“It’s my body”, she repeated
like a Chatty Cathy doll
with a skipping record stuck in her back.
“It’s my body,” she began to answer
her interviewer’s every inquiry –
where she grew up, if she still went to church.
“It’s my body?”
The words stayed the same,
but as more accusations came, her inflections
changed. Jessica looked beyond the studio set
where somebody seemed to be cueing her
that message. My lover was laughing.
“How about a little conviction there, Jessica?”,
he said to the TV. Then, trying to coax
more conversation, he addressed me, “Look,
honey, she doesn’t even seem to know if it’s her body
or not.” He was right,
but he knew as he brought it up,
it was the wrong thing to say.
I’d had too much coffee.
I found myself energetically defending Jessica,
blaming her disorientation
as a response to our misogynous society-
the dislocation all women feel
from their physical selves.
And then came the theories I’d been reading.
He left for work kind of agreeing
but also complaining that I’d made him exhausted.
And now my sister is blaming me for the same thing
because I am pointing out to Katie that she is mistaken
to think only boys should get dirty
and only girls should wear earrings.
“People should be able to do whatever they want.”
I lecture her about my friend who wears a hard hat
when she goes to her job and works
with electricity, just like her daddy.
Katie fiddles with her shoelaces
and asks for juice. My sister says,
“Give the kid a break. She’s only in kindergarten.”
Older Kerri is concentrating, trying
to get a big comb for humans
through her doll’s Moussed synthetic hair.
Because untangling the snarls needs so much force,
suddenly, accidentally, Barbie’s head pops off,
and a smaller one, a faceless socket,
emerges from her neck. For an instant
we all –two sets of sisters, our ages
twenty years apart – share a small epiphany
about Mattel: this brainwashed piece of plastic cerebrum
is underneath who Barbie is. But soon
Kerri’s face is all panic, like she will be punished.
The tears begin in the corner of her eyes.
I make a fast rescue attempt,
spearing Barbie’s molded head
back on her body, her malleable features distorting
under my thumb. Although a grown doll,
the soft spot at the top of her skull
still hasn’t closed. Under the pressure
of my touch, her face is squashed, someone
posing in a fun house mirror.
But the instant I let go, she snaps back
into a polite smile, her perfect nose
erect and ready to make everything
right: Barbie is America’s –
half victim, half little pink soldier.


- Denise Duhamel, from her book, Kinky.


sábado, 28 de novembro de 2009

Here`s one of mine...

Narciso (Fábula II)

the pale faces of the women who love you
shimmer on the surface of the river.
of course you have not yet noticed.
underneath,
beyond the bed of rushes & cattails
their murky hearts lie.
they are beginning to rot,
to fill up with maggots,
round-bellied catfish pecking at
severed valves, at the purplish
aorta.
the women of course can live on
without them,
like the ferns along the banks of the
river that can manage
on so little sun.
you feast on the way they
continue to want you,
your image repeating, this
cold screen of desire.

Chicago

Nem faz tanto frio para o final de novembro em Chicago, mas
quem não está mais acostumada sente bastante! Minha irmã me
emprestou um livro maravilhoso, "Kinky" (1997: Orchide Press) 42 poemas da poeta
norteamericana Denise Duhamel protagonizados pela boneca Barbie,
por Barbies diversas em seus diversos e irônicos encontros com a cultura norteamericana. Un dos meus preferidos até agora se intitula,
"One afternoon when Barbie wanted to join the military". Outro, "Barbie as
Religious Fanatic". Reproduzo aqui o primeiro do livro,
"Differently-able Barbie". Talvez consiga traduzi-lo...


Differently-abled Barbie

by Denise Duhamel

In Chicago a Barbie
loses her arm. Only the boy next door knows he has taken it
to use as a toothpick. A little girl
refuses to throw the Barbie away
and knots her doll's right sleeve
that hangs limp like a sail on a breeze-less day.
Another Barbie in Seattle has a run-in
with a German Shepherd
who leaves her face as scarred
as Marla Hanson´s. It would be easy
for a child to cry for another doll,
but this little girl suffers
from bouts of eczema on her forehead.
She knows that Barbie is still the same underneath.
In Baton Rouge, Barbie's hand melts into a finger-less fist,
a nob, when someone leaves her on top of a stove.
In Missoula, Montana, a baby sister cuts off most of Barbie`s hair
not realizing it won[t grow back.
Creative mothers invent slings and casts, flattering hats.
Our impulse to destroy what is whole,
to coddle and love what we have injured.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

"O Velho Jasão em San José"

Do livro de Diane Wakoski, Jason the Sailor (1993)



(Key, Key, What Bird Sings that Song
?)
(Key, Key, que pássaro canta assim?)

Lá vive ele, entre os chips de computador
e uma grande população vietnamita. Seu nome aparece
em aparelhos de som caríssimos mas eu duvido que seja
a sua
a família proprietária da empresa. Nem sei mais como se sobrevive
com cachorros azuis latindo para a lua. Eu imagino
Stone Key, onde preparam uns caranguejos deliciosos
e penso que poderia dirigir pela longa cadeia dos Keys,
conectadas por pontes que serpenteiam
que me dão alucinações, as grades irrompendo nos meus olhos,
querendo me chamar à água. Mas também me atraem
os lugares onde homens e mulheres se distorcem; como
poderia não aprender sobre imagens
no quarto escuro fotográfico de adolescência
na Califórnia?
Eu pensava que estava procurando a verdade
mas quando a encontrei eu fiquei tão horrorizada
que me encerrei neste quarto no Meio-Oeste
com muitas janelas, nenhuma cortina e sem a chave. Nenhuma
necessidade de sair de novo
para o mundo.
Eu me disfarço
reclamando da idade, ponho minha
máscara de velhinha para obter
credibilidade para minha vida neste quarto. Me protege
dos constrangimentos, as rejeições, os fracassos deludidos
dos encontros sexuais.
É esta uma face
da estória. A outra, a verdade
terrível sobre o que as mulheres perdem
com a idade, os cachorros azuis que latem
para a lua,
– a raiva de Medeia quando Jasão arruma uma jovem –
enquanto os homens continuam suas aventuras;
ele mora em São José com sua esposa
e filhos, provavelmente até netos, e continua
tendo tudo.
As constelações viram,
dois leões nascidos
com apenas umas horas de diferença,
um destino de macho, outro de fêmea.
É esta a chave? A diferença entre duas vidas
que começaram entre as laranjeiras da Califórnia,
as folhas poeirentas contra a fruta dourada.
Ele as possuía, eu as comi.
Pode esta diferença ser a chave
de tantas estórias?

Tradução: Miriam Adelman
Revisão: Sabrina Lopes.


* Na tradução, me vi obrigada a abrir mão do jogo que Wakoski faz com a palavra key – algumas vezes, “chave” (objeto concreto ou metafórico), outras vezes, em referência às pequenas ilhas próximas ao litoral do estado de Florida que levam esse nome. E também empregada de forma auto-referencial, remetendo-se assim à toda a obra da poeta, na qual chave/chaves são um elemento metafórico recorrente (Agradeço a Sabrina por sua acertada insistência neste ponto).

sábado, 7 de novembro de 2009

fragmento del poema “Ancla Tyzak” de Cristina Peri Rossi

XXXVI.

Si fui amarga fue por la pena.
El capitán gritó, “Sálvese quien pueda”
y yo, sin pensarlo más, me lancé al agua,
como ávida nadadora
como si hubiera estado esperando ese momento,
el momento supremo de soledad
en que nada pesa
nada queda ya
sino el deseo impostergable de vivir;
me lancé al agua, es cierto, sin mirar atrás.
De mirar quizás no me lanzara
habría vacilado mirando tus grandes ojos tristes
siniestros remordimientos me hubieran impedido ya
saltar al espacio
tocar la fría humedad del aire
el nocturno relente
y caer
como recién nacida
en la flotante superficie del bote
donde todo habria de continuar,
no se sabe adónde.
Si hubiera mirado atrás,
tus grandes ojos tristes
la vela suspendida
los cabos sueltos
las cámaras anegadas
como los recuerdos salados del mar.
Si hubiera mirado atrás,
tus grandes ojos tristes,
la vela mística suspendida
los cabos sueltos
las cámaras anegadas
como los recuerdos salados del mar.
Si hubiera mirado atrás.
“Sálvese quien pueda” gritaba el capitán.
De haber mirado
de haber vuelto los ojos
como la mujer de Lot
ya no podría saltar
pertenecería al pasado
anclada entre las redes del barco, tu capitán, el moho de las sillas
los versos que consumíamos en las noches de vigilia,
tu pereza de saltar,
tu vergüenza de correr,
atrapada entre las hermosas lianas de los versos preferidos,
acaso no hubiera respirado más el aire salino
ni visto aparecer el sol:
era um caso de vida o muerte.
“Sálvese quien pueda”,
había gritado el capitán,
la vida era una hipótesis de salto,
quedarse, una muerte segura.

-- Cristina Peri Rossi

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Next project!

Me estou propondo nova tradução da Diane, deste poema
que publico aqui em versão original.

OLD JASON IN SAN JOSE

(Key, Key, What Bird Sings that Song ?)

He´s there, living among the computer chips
and large Vietnamese population. His name appears
on expensive speaker systems, though I doubt if it is his
family
which owns that company. I don´t know any more
how one survives blue dogs barking at the moon. I imagine
Stone Key, where they have such delicious crabs,
and think of driving the chain of keys, connected by snaking
bridges which gave me hallucinations, the bars snapping
at my eyes, trying to draw me into the water. But I am
drawn also to places where women and men are
distorted; how could I not have learned about images
in the photo-darkroom of California adolescence?
I thought I was searching for truth,
but when I found it I was so horrified
that I locked myself into this room in the Midwest
with plenty of windows, no curtains, and no key. No need
ever to go out again
into the world.
I disguise myself,
complaining of age, use my
old lady mask to give credence
to my life in this room. I am screened
away from the embarrassments, the
rejections and denied failures of sexual
encounter.
That’s one side of the
story. The other is the terrible truth
that women are neutered with age,
blue dogs barking at the moon,
- Medea’s rage when Jason takes a younger woman -
and men continue their adventures;
he lives in San José with his wife
and children, probably grandchildren, and still has
everything. Constellations turn,
two lions born only hours apart, one
destiny male, one female. Is that the key? the difference
between two lives begun
in the California orange groves,
where the dusty leaves rustle against
bright gold fruit. He owned it; I ate it.
Could that difference be the subject
of so many tales?


-Diane Wakoski, do livro Jason the Sailor.

sábado, 31 de outubro de 2009

Something new

I haven´t posted anything of my own in awhile, so here goes.
It´s probably not finished yet... a try at capturing
a few feelings, maybe because my birthday is just 2 days away and
-like it or not - leaves me prone to taking stock?


we are the lucky ones
standing here on dry ground,
an autumn Saturday, this
Plaza Real, while the world reels.
these are days trestled together,
time to pick and choose
and linger, the cafes and
the train tickets. I can
rebraid your hair with
a hundred colored bands,
and remember a thousand
warm nights just like this one,
with its Mediterranean calm
with its welcome.
no use trying to sleep
with the neighbors talking so loud,
no use trying to sleep
since now I have finally learned
that something as desperate to me
as love
is but a moment of respite
is but a small, flattened clearing
that looks like a place to lie down

come closer, just for a moment.
i will stop talking, overlook
unnecessary details.
there is a sweet jasmine smell
in the breeze,
hours that taste like honey,
a trace of mint lingering in your hair.
i will stop asking these questions,
stop second-guessing my luck.

wake up. open your eyes
the music is gentle, the night so clear.
tonight, no pack of stray dogs sauntering the alleys,
no unlit corners where one split second
could change your life.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Descobertas....

Em Barcelona, estou freqüentando a biblioteca pública do bairro. Tenho a sorte desta ser uma das melhores da cidade: mais grande do que pequeno -sem deixar de ser acolhedor -com espaços internos abertos e grandes janelas de vidro, e pessoas de todas as idades passeando por seus estantes, ocupando as salas de leitura e os corredores e fazendo dela um lugar onde se pode estar bem à vontade durante várias horas...
No meu próprio passeio pelos estantes, encontrei o livro Poesia Reunida da poeta e escritora uruguaia (radicada na Espanha desde os anos 70), Cristina Peri Rossi. Já tinham falado dela num evento que assisti o mês passado na Casa Francesca Bonnemaison (Centre de Cultura de Dones) . Começar a lê-la vem sendo um dos meus maiores prazeres literários dos últimos tempos. Assim, hoje compartilho com vocês estes versos dela, para o início de uma "nova convivência":


Escoriación
(del libro, Descripción de um naufrágio, 1975.)

Herida que queda, luego del amor, al costado del cuerpo.
Tajo profundo, lleno de peces y bocas rojas,
donde la sal duele y arde el iodo,
que corre todo a lo largo del buque,
que deja pasar la espuma,
que tiene un ojo triste en el centro.
En la actividad de navegar,
como en el ejercicio del amor,
ningún marino, ningún capitán,
ningún armador, ningún amante,
han podido evitar esta suerte de heridas,
escoriaciones profundas, que tienen el largo del cuerpo
y la profundidad del mar,
cuya cicatriz no desaparece nunca,
y llevamos como estigmas de pasadas navegaciones,
de otras travesías. Por el número de escoraciones
del buque, conocemos la cantidad de sus viajes;
por las escoriaciones de nuestra piel
cuántas veces hemos amado.

- Cristina Peri Rossi

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Continuando...

Quase um mês desde a última postagem! Com as mudanças e adaptações que as viagens exigem, não consegui mexer de novo com a tradução, assim que hoje vou postar um poema em inglês, da muito reconhecida poeta norteamericana Mary Oliver (agradeço minhas irmãs por chamar minha atenção para a obra dela). Agora em Barcelona, estou morando perto da melhor biblioteca pública da cidade -- lindíssima, por sinal! -- assim que logo que tiver uma folguinha, iniciarei minha procura por trabalho interessante d@s poetas daqui.


Wild Geese
by Mary Oliver

You do not have to be good.
You do not have to walk on your knees
for a hundred miles through the desert, repenting.
You only have to let the soft animal of your body
love what it loves.
Tell me about despair, yours, and I will tell you mine.
Meanwhile the world goes on.
Meanwhile the sun and the clear pebbles of the rain
are moving across the landscapes,
over the prairies and the deep trees,
the mountains and the rivers.
Meanwhile the wild geese, high in the clean blue air,
are heading home again.
Whoever you are, no matter how lonely,
the world offers itself to your imagination,
calls to you like the wild geese, harsh and exciting--
over and over announcing your place
in the family of things

(http://www.english.illinois.edu/maps/poets/m_r/oliver/online_poems.htm)

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

The house of the heart - Diane Wakoski

Ontem, numa livraria de bairro aqui em Chicago (uma livraria local, das poucas que ainda existem hoje em dia que não são franquias de grandes cadeias como Borders ou Barnes & Noble) achei vários livros de Diane na seção de poesia. Comprei um- "Jason the Sailor" (1993) -exatamente um que ela escreve como "segundo volume" do " The Archaelogy of Movies and Books", composto por este mesmo e o livro "Medea the Sorceress", do qual temos feito várias traduções. A capa é muito linda, uma gravura num tom cinza azulado com motivos marinhos... uma estrela do mar, um peixe e uma concha, e que continua na contracapa com outra concha, uma serpente, outro peixe, um pássaro e a lua...o livro todo, de um papel cor creme e artesanal que dá vontade de segurar nas mãos, virando as páginas muito muito materialmente...

Por enquanto, o que tenho para oferecer é a versão de um poema de um livro mais antigo dela (Inside the Blood Factory, 1968), com características talvez mais próprias de uma outra fase da sua obra. As metáforas com algo que lembra a grande Sylvia. Será que estou certa?


A CASA DO CORAÇÃO

Meus sapatos são duas caixas
de camurça,
pisoteando os corredores até Nut,
do Egito,
dama da noite, alta, com finos dedos de pé
e o zodíaco na barriga.
Dentro da minha cabeça desliza uma serpente
por baixo da minha cama confortável; eu sonho
para compensar o cérebro vazio. O sol
nasce sobre pernas bambas, finas como
vagem nova,
e minha música é a mesma melodia triste.
a casa do coração
onde a música mora,
onde descansa de noite
na sua tigela de sangue morno;
a casa do coração que dá sempre
as boas-vindas aos visitantes
da Lua, e aos do Sol,
algumas vezes,
desde que tirem os sapatos.

Meus sapatos carregam meu peso
traduzindo meus ossos em palavras,
levando o sangue ao correio em envelopes
para enviar ao mundo. Afundo agora
com aroma de especiarias nas narinas,
com o coração embrulhado em seda para que
não murche
antes que a Verdade o pese na sua balança.
Meus sapatos me acompanharam todo o caminho,
minha viagem pelo reino dos besouros
- as larvas lambem o bolo dos meus dedos,
o bolo que eu dava para os patos a beira rio,
suas cabeças verdes brilhando sobre as palmas das minhas mãos
como sementes oleosas,
com seus bicos prontos para gravar suas palavras no meu coração que
poderia lhe dar um conteúdo sagrado e lhe ajudar
na balança da Verdade.
Meus sapatos com suas pontas quadradas e desengonçadas
seguram meus pés desengonçados. Já andaram,
nunca dançaram, andaram comigo para todo lugar.

Sol, entre na casa do meu coração.
Tire seus sapatos incendiados. Nem os deixe
tocar na entrada. Suas flamas extinguiriam-se
ainda antes de passar pela porta.

Lua, entre na casa do meu coração.
Tire seus sapatos. Bate na porta com o aro prateado.
Passe por cima da entrada como o fruto do lichee
rodando por minha garganta.
Entre no corredor escuro com uma vela, com uma luz
prateada, com uma gota de óleo de hortelã quente
na sua língua fresca. Venha, Lua. Entre. Mas seus sapatos prateados,
tem que deixá-los do lado de fora
da casa do meu coração.

sábado, 15 de agosto de 2009

five of staves

[Five of Staves (Wands): Young Men Fighting or Playing with Green Poles, by Diane Wakoski- do livro "Medea the Sorceress]

Este poema foi traduzido por Sabrina Lopes (lopessabrina@blogspot.com). Como vocês podem ver, estamos "acumulando" um bom material para nosso projeto, em andamento, de tradução e reflexão sobre a obra de duas poetas (por enquanto), as norteamericanas Wakoski e Cisneros.



O segredo
sempre foi
o que os homens acham
pra fazer
uns com os outros. Essa grande
maioria de momentos que, como o futebol
e certas micoses, e mineração
excluem mulheres.


Nós temos tão
pouco.
A taba
aonde ir
quando sangramos, e a lua nada
ou vai embora com a água dentre nossas
coxas


Polo aquático,
um esporte grande,
em meu colégio californiano,
o eleito dos riquinhos que moravam
com suas piscinas em the Heights
garotos
que dirigiam seus Fords novos
antes de entrar na faculdade, depois
do aniversário de dezesseis, garotos
que fechavam os olhos quando tocavam
a gente nos lugares molhados, todas
nós querendo ver suas mãos
saírem limpas de sangue. Mas os
lábios, sempre sangrentos.
disséssemos “Bah-bah-bah-
Bah-bah-bra-Ann” ou
my “Little Deuce Coupe”
bebêssemos cherry cokes
ou leite, poetas ou cinéfilas, andamos em nossas crinolinas engomadas
e blusas de lacinho indo mensalmente
para os quartos segregados, cheirando
a peixe sob a água de colônia.



Mas os garotos, eles se divertiam
quando estavam segregados;
quando ficavam juntos sozinhos
eles tocavam
– com piadas,
ou saudações
“Meu chapa”
como nunca fizemos;
eles falavam,
como ainda não podemos,
descobriam como o mundo gira,
como a gente,
é claro,
não.


E polo aquático, os garotos
batendo aquela bola grande e branca
na água verde-esmeralda
da piscina olímpica da FUHS,
Oh, eles sabiam até nossos segredos.
Que a lua que eles tinham lançado e espirrado e estapeado
na água era justo como aquela
empurrada dentre nossas coxas todo mês
- se éramos boas,
- se tínhamos sorte,
- se éramos espertas.


Oh, não me diga NUNCA
que as mulheres têm vidas secretas
ou tesouros
que ninguém fora outras mulheres
conhece.
Me diga,
ao invés,
que o segredo é,
sempre foi,
por que homens têm tanto prazer
na companhia uns dos outros, por que mulheres,
quando segregadas e juntas
de outras, só têm taba menstrual,
o velho, grosso sangue mensal
pra dividir?
ou o tabu oposto:
o clonezinho nosso
moldando dentro de nosso corpo,
seu rosto e forma a partir da lua,
que some então por nove meses ainda
mais
solitários.

Uma criança no lugar da mãe.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Sonho (despedida)

(Este é um dos dois ou três poemas que
escrevi diretamente em português:)


Sonhei teu corpo aberto.
folhagem de verão, grama imensa.
você voltava dos anos de sono, me
disse que estava pronto. e
a chuva que começava, lentos pingos
que segurava na língua. você ria,
risadas largas. o eco ia e
voltava, até cair a noite:
escuridão, lua, frio
repentino. meu sonho
se deslizando sobre teu peito
como córrego claro, como depois,
a calma.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

As novas gerações escrevem...

Tempo

A pedra da vida,
A pele do rosto,
A perda da pele.

E nem a pobre entalhada pedra,
Ao tempo,
Resiste.


Gabriel Adelman Cipolla

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A Poem for the Man who Drives the Sphinx and Makes All Ferrari Owners Weep with Envy.

Uma nova tradução de um poema de Diane Wakoski, ainda em versão
preliminar! (Do livro, "Waiting for the King of Spain",
Black Sparrow Press)

Poema para o Homem que Dirige un Esfinge e Faz Todos os Donos de
Ferrari Chorar de Inveja


Você, sempre excedendo a velocidade
correndo nas suas patas de felino
sobre as estradas do deserto.
Suas garotas
vestem casacos transparentes
feitos de gotas de chuva:
meigas e nuas, elas
somem
no deserto
e voltam com pó
de canela nos lábios
e tornozelos,
lhe enviam mensagens
dentro de sementes
de cardamomo com cheiro
da Arábia.

Estou aqui sentada
na minha adoração,
meu amor por mecânicos e condutores
de boas maquinas,
sabendo que os veículos antigos
são freqüentemente os mais elegantes,
me perguntando quantos vizinhos
belos & bizarros
descobrirei ao longo dos anos
habitando o deserto do Egito


Há muito tempo
que jogo o tarot
e monto nua no meu okapi
passando Tanzânia ao galope,
entrando nos bares dos operários
onde todos os amantes são poetas
e os diamantes traem seus donos,
onde a esperança é um tubarão do mar
e a tentação, um mito.


Este é um bilhete para lhe dar
as boas-vindas às vizinhanças,
para lhe dizer que é um prazer
vê-lo
indo a toda velocidade
conduzindo seu esfinge,
para lhe dizer
que espero que goste deste país,
para lhe oferecer um convite
para que a qualquer hora
que você passar por aqui,
venha tomar um drinque/
deste mar,
nossa poesia.

Um conto de Claudia Bório

Uma nova contribuição da escritora curitibana Claudia Bório:


Manorama


Manorama foi um nome inventado ou um nome que eu ouvi nas notícias. Manorama foi um nome inventado ou um nome que saltou para meus ouvidos, um nome que alguém falou, um nome que gritou chorando do meio da noite para o mundo. Manorama, morando à beira dos campos de arroz. Manorama, seus pés pisavam a lama dos arrozais, os caminhos em meio aos campos inundados. Manorama, à noite somente os mosquitos acariciavam seu rosto. Seu rosto, aos poucos, como pétalas de jasmim, deixava escorrer uma lágrima que secava sem ninguém perceber. Manorama, menina, panorama, o arroz na panela todos os dias. O arroz era sua incumbência diária. Manorama, um dia o arroz não ficou pronto a tempo como deveria. Manorama, um dia eu ouvi seu nome e sei que não foi imaginação. Se foi um sonho, todos devem me perdoar, pois sei que, em algum lugar, Manorama existiu. Manorama, fazedora de chapéu trançado, caminhando com os pés na lama dos campos de arroz, sentindo o perfume das frutas e olhando uma nuvem pesada de chuva sobre as montanhas distantes. Manorama sabendo que nunca, nunca deixaria os campos de arroz. Manorama, um dia, deixou de fazer o arroz na hora certa. Ela nunca sabia quando era a hora certa. Manorama não tinha relógio e às vezes se distraía olhando as borboletas sobre o campo de arroz. Manorama, suas mãos morenas, seus dedos sem enfeites, a panela, o arroz, o fogo no fogão de lenha. O cheiro de esterco dos campos de arroz, a umidade que subia do chão, o calor, o suor aos poucos descendo pela nuca. Um dia, um dia, Manorama deixou de fazer o arroz na hora certa. Um dia, um dia, gritou um pássaro em uma árvore, Manorama, não havia arroz pronto quando os homens voltaram do trabalho no campo. Voltaram, voltaram com fome, voltaram querendo sentir o cheiro do arroz cozinhando na panela e o fogão estava frio, o fogo quase apagado e não havia panela alguma. Um dia Manorama se distraiu e não cozinhou o arroz na hora certa. Um dia, um homem chegou do trabalho com fome. Manorama era tão ninguém, tão nada, apenas um mosquito acariciava seu rosto à noite, apenas a lama se preocupava com as solas de seus pés. As mãos de Manorama sabiam que lavar o arroz com água era a melhor carícia que elas jamais experimentariam. Mas um dia Manorama não fez o arroz na hora certa e ele a matou, por isso ele a matou, ele a matou com um golpe de seu facão. A cabeça de Manorama caiu rolando pela varanda e foi parar na beira de um campo de arroz, olhando para aquela muda pequena mas já carregando um cacho de arroz pesado, muito pesado, pesado demais para ela. Por isso tudo ele a matou, porque o arroz não estava cozido na panela, e Manorama nunca mais caminhou, Manorama nunca mais cantou na beira dos campos de arroz.


Homenagem a Manorama, menina assassinada na Índia porque não preparou o arroz do almoço (de acordo com uma notícia de jornal)

domingo, 2 de agosto de 2009

resgatando...

coisas escritas, de outros tempos.
Estes são de quando morava no México:

sin título

I.

Eran noches del más espeso silencio

noches que jugamos sobre un puente
suspendidos
entre enigma e encuentro
y nos arrojamos a la tempestad del mar
a guiar negros buques de piratas
hacia algún horizonte.

II.

he desbordado mi cauce
he recogido helechos e zarzamoras
con tus manos
has dejado entre mis cabellos
una hoja verde
una cáscara vacía

III.

hoy vuelvo hacia mi
y tu nombre irrumpe en mis labios
en mis ojos cuando averiguan la altura del sol
encuentro tus pies en mis zapatos
un destello tuyo brota en mi ventana
un aroma de tu piel ruboriza la ausencia
en las calles ando entre nuestras palabras
cada rostro desconocido me dice que existes
cada presencia me roza el vacío
y yo asumo
un cierto destino
de descubrirte
siempre
en un cuadro
una pileta de agua tranquila
un patio deshabitado
un canto lejano que vuelve.


Ocaso

los bosques están lejos.
aqui:
solamente luz de lámpara
y nuestras piernas dormidas.
sobre los sueños há crecido un moho espeso
como la telaraña que cubre el tragaluz
de nuestra casa.

nos conocemos desde otro invierno
menos herrumbroso que éste.
hoy, detrás de tus cuadros,
me escondes unos brazos que se han marchitado.
yo, cada noche,
recopilo pedazos de baladas tristes
y bailo para tu sombra.

hemos assistido al incendio de los senderos.

ahora, maletas vacías en las manos,
trepamos por un calendario de destierros,
por sus interminables escalinatas:
espacios blancos,
rayas negras,
como dos sonámbulos
arrastrándose por las calles
de una ciudad arrasada.

e estes...

escritos quando eu morava em NYC:


Lovers


they move into each other, pouring
from the separateness of their lives
into this brief burning, the way fire
melts all things together, leaves
nothing. the sea at the heels of
the city drums against silence,
the white line of the coast in
winter, abandon.

in the early evening, heat gone
from her thighs, she finds him
lost from her, moving off, the
distant streak of a dinghy
vanishing into salt fog. he
hears something stirring
in his past, something
that will make him need her
again. again, the long inching
toward their meeting.
a wisp of time.
the pale of the moon.
some other route out of or into the
darkness.


Michoacán


the hard hills of the sierra
nose up into blue and gray, bearing tracks
no one could count. the landscape swallows
time: here, women carry the earth, rub cloth
on stone, let the sweet smoke of corn out into
the air. there are clothes hung out, pencas,
adobe. here a girl-child grows, knowing
the brown paths into the mountain, one color
repeated in water and land. here, her breasts
ripen, as the sky gathers its rain clouds for
the season to come.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

DIAS CINZENTOS EM CURITIBA

So it has been for over a month now, a taciturn parade of cold gray days in a city which sometimes seems to be one of the worst habitats on this planet. The sun has rarely peered out from behind the thick masses of clouds and mist, the white walls of our house speckle with humid brownish flecks in snowflake patterns and we shiver underneath several layers of clothing all day long, trying to resist the usual assortment of colds and gripes. And now half the city has gone into a panic over the bout of swine flu that has made its way here in the worst moment of our winter, closing down schools, gyms and swimming pools (by health department order). Those who are the most perturbed admonish us to stay away from social gatherings, shopping malls and cinemas as well. To top it all off, today – one of the chilliest thus far- there are workmen from COPEL changing the electrical posts and cables on our street. They’ve been back and forth along the power lines all days, in a bright orange cart that has been hoisted up into the treetops, weathering occasional rain showers, while I struggle to nurture some patience. No power till the late afternoon. So in the meantime, I´m back to the pen and paper of old… sentences that begin at the left margin but go on and on and on until they coil and curl around the edges of the pages, reminding me of phrases and thoughts to be added.

In some ways, the whole year has thus far proven much harder than I would have imagined it. I didn´t get my research grant, which I requested a total of four times, twice each from two different financing agencies. (There were no criticisms – actually only praise – for the project itself, on women in equestrian sports in Brazil and Spain. Just not a priority, I guess, for agencies that prefer to finance gender studies focusing on topics like violence and prostitution, and are less interested in this possible, yet uncommon sphere of women´s empowerment…) Other things, too, that have happened, are best left to express through poetry. Nonetheless, the months spent “there” and then “here” have hardly been unproductive. Most recently, we were finally able to send our edited volume “Mulheres e homens, olhares e cenas: estudos sobre representações de gênero no cinema contemporâneo” off to the publisher (with some luck, it may be out in 2010!) And I´m anxious to move on, as I will in a few weeks: first to Chicago and then (again) to Barcelona, where new projects and friends are awaiting. Most of all, now that we are past mid-year, I can sum up what is perhaps my most crucial personal discovery: I´m still in some ways the same person I was many years ago, drawn to challenges and willing to deal with the adverse circumstances that are often a part of them. As for the last months of 2009, well, one never knows what surprises lie in store...

terça-feira, 14 de julho de 2009

Você, minha pérola do mar - poema de Sandra Cisneros

Gostei muito deste poema na sua versão original ("You my saltwater pearl" do livro de Sandra Cisneros, Loose Woman.) Tentei captar o sentido brincalhão do seu ir e vir "trans"...(trans-sexo/gênero, digo) que penso que tem muito a ver com outros momentos da obra dela. A tradução que vocês encontrarão aqui está ainda em versão preliminar, com algumas sugestões das minhas parceiras Sabrina Lopes e Marcia Cavendish Wanderley já incorporadas.

Você, minha pérola do mar
minha mãe, meu pai
minha cria bastarda,
meu ceu minha mágoa,
você da minha tristeza escrava,
meu coração enrugado.

Moedinha dos meus olhos,
minha tulipa, minha caneca de mendigo
minha mulher, meu menino
para eu lhe sustentar ou você a mim,
para eu lhe chatear ou embrabecer.


Me pegue como um menino,
me machuque um pouquinho. Me faça chorar.
sou seu leite e mel.
Seu Nabucodonosor.
seu zigurate de prazer.
Sua penosa impressão digital.

Serei haxixe.
O item guardado que não se vende,
para doação ao marajá,
vulgar como uma jóia da Liz Taylor,
Seu Taj Mahal.

Agrade-me. Eu lhe farei carinho,
lhe aterrorizarei, lhe penetrarei.
Mãe do meu coração,
cria bastarda,
minha querida, meu querido,
minha pérola do mar.







terça-feira, 23 de junho de 2009

Global Women

Global Woman: Nannies, Maids and Sex Workers in the New Economy.
Barbara Ehrenreich and Arlie Russell Hochschild, editors. New York: Metropolitan Books. 2003


“The personal is global”. With this new take on the old 60s and 70s feminist slogan “the personal is political” sociologist Arlie Hochschild finalizes her own contribution to the edited volume, Global Woman: Nannies, Maids and Sex Workers in the Global Economy, a wonderful book replete with tales that move from sad and harrowing to fascinating and, occasionally, hopeful. Its well-documented stories from around the globe also present some excellent sociological and anthropological analysis of how women (and children, and families and men) navigate the contemporary world system.
I became intrigued by Arlie Hochschild’s more recent work after having the opportunity to hear her speak at the Centro de Cultura Contemporanea de Barcelona, and immediately set myself to the task of getting to know it better. The essays and articles that make up the volume are suggestive and inspiring for several of the ongoing projects I share, at present, with numerous students, colleagues and friends, and what I will try to do here is to present some general ideas so that those of you who visit this little piece of cyberspace get a better idea of what the book has to offer.
In the introduction, editors Ehrenreich (another one of my longstanding favorite critical social analysts) and Hochschild expound on their basic topic, the current and ongoing process of feminization of transnational migration. They point to how this process is intimately linked to the “care deficit” that has been created in “First World” societies: as more women devote themselves to work and public life outside the home (and trends toward increased male investment in home and domestic life continue to be relatively negligible) the scenario for a “global transfer” of services associated with a “traditional wife´s role”* is created. An intensified influx of women from countries and communities ravaged by debt, poverty, colonial histories and “problems of development” to the kitchens and households (and sweatshops, restaurants and streets) of the world’s “global cities” and richest nations enables life to go on smoothly for many, though the consequences and ramifications this has for the lives of villages, communities and families in poor and developing countries is not often considered.
When Hochschild suggests that perhaps a “woman’s care” constitutes the “new gold” flowing from south to north, she may not be exaggerating. There really does seem to be an ongoing reversal of trends if we consider that one of the most oft-discussed aspects of the history of women and work from the 19th to the 20th century in advancing industrial nations was the shrinking of domestic service, a type of employment that had been fundamental in an earlier period of Western bourgeois culture and society.
And what about the other side of care deficit, that one that is generated "on the other side of the ocean" by this new scenario? Parreñas’ article on the care crisis in the Philippines discusses repercussions in the care-exporting country (how children and families adapt to women’s absence) and is careful to point out that, considerable suffering notwithstanding, activists and policy-makers who take a stand against women’s migration become moralizing forces calling for the disciplining of women, while it is truly important to re-think the issues in ways that can work to dismantle or at least alleviate not only global inequalities and also to promote re-thinking the gender order (which would include new ways of thinking about fathers’ caring for children and families). Anther fascinating contribution shows how in contexts like that of Sri Lanki, emigrating women may spend years toiling abroad while unemployed husbands “mismanage” the remittances received, thus blocking family routes out of poverty. Among the saddest of texts is one which discusses cases of African women who were virtually imprisoned within the U.S. households where they were providing domestic services – often for professionals with high level positions in international organisms such as the UN, World Bank, IMF and in one incredibly paradoxical case, within the home of a human rights lawyer.
Young women’s incorporation in the global sex industry is the theme of one of the most powerful contributions to the volume, Brennan’s account of her ethnographic study of sex-workers in transnational sex/love circuits of the Dominican Republic. In the cases she discusses of young women from desperately impoverished rural areas of the island – most often, young mothers struggling to feed, clothe and raise their children on their own – and their relationships with German men who flock there to enjoy its beaches and ample opportunities for “sex tourism”, strategies up and out of poverty figure more clearly than concerns with conventional “romantic love”. And in the book’s concluding chapter, Sasskia Sassen speaks poignantly of the “feminization of survival” yet also makes it clear that women are not mere victims of global capitalism – nor are they mere victims of the specific beneficiaries of their services, such as more privileged social groups, elite households or mafias (and governments) who profit from trafficking of women. In many ways, she suggests, women involved in particular forms of transnational movement (particularly- I would imagine - those in which transnational circuits are linked to female and familial networks at a grassroots level) actively strive to have access to opportunities and often acquire new resources that enhance their ability to re-shape their own lives outside of conventional patriarchal constraints. In fact, the possibility of shaping and re-shaping one’s life, beyond conventional borders and boundaries - , geographic and the symbolic – and to do so, while creating new communities (local and/or global) is a hope and a struggle for women all over the globe. It is perhaps the best of the “cultural consequences of globalization” to which Indian Anthropologist Arjun Appadurai refers, this possibility to (re)imagine the self that is part of intensified global circulation of people, goods and images. Whether these “re-imaginings” can be connected to the genesis of more egalitarian forms of social life and culture is a major issue, and is clearly linked to the patterns of a global economic order which would require fundamental restructuring to loosen the forces of suffering and economic (and political) coercion that send so many people out to distant corners of the globe against the backdrop of a dire lack of options. For the time being, - and only exacerbated by the current context of crisis - women and men all over the world will continue packing bags and knapsacks, crossing oceans in planes or flimsy wooden boats, smuggling themselves or being smuggled across borders with no guarantees of what luck will be theirs “on the other side” - because this is all they feel they can do. The young woman who, while cutting my hair in a beauty salon ( a franchise of a national chain) in Barcelona shared her story of migration away from a small town in the Brazilian north east claims not to have been disappointed by her sojourn, guided as it was by her hope that somewhere else, things could be better. Or if not better, at least different, worth seeing, knowing and perhaps (as suggested by another informant, a Brazilian architect also residing in Barcelona) de-mystifying.

* As Saskia Sassen, in her contribution to the volume clarifies, a new household type has emerged which can be referred to as a “professional household without a ‘wife’ regardless of whether its adult couple consists of a man and a woman, two men or two women.” (p.259)

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Las Girlfriends, de Sandra Cisneros.

Dando continuidade ao projeto de tradução do trabalho poético da escritora chicana Sandra Cisneros, posto hoje esta versão do seu poema "Las Girlfriends". Agradeço a Sabrina Lopes e Marcia Cavendish Wanderley pela ajuda. As sugestões delas foram fundamentais para conservar, na nova versão, o espirito das gírias e a linguagem coloquial usadas pela poeta, e remetem a essa parte - a mais dificil - de nosso trabalho, a da "tradução cultural".

Dê uma gorjeta pra garçonete
de calça jeans apertada.
Ela é minha amiga.
Já foi e voltou do inferno.
E eu também.


Amiga, eu acredito em Gandhi.
Mas tem algumas noites que nada dá
tão precisamente como uma garrafa de Lone Star
quebrada em alguma cabeça.

Semana passada neste mesmo bar,
dei um chute no traseiro de um cowboy
que quis pegar na bunda da Terry.
Como vou explicar? Era todo Texas
que eu chutava, e os de todas nós
tavam na reta.

No Tacolândia, a Cat dançava
um flamenco furioso ao redor
do jogador de sinuca de língua felpuda.
Um dança de guerra de certa maneira
por todas as sacanagens que já
nos fizeram.

E a Terry aqui, também fez história.
num bar desta rua onde não a deixam
entrar, e n´ outro no baixo da central.
E naquele café francês em Austin
ninguém me convida- entrez vous

A pequena Rosa de San Antonio
é a abelha-rainha do chute-na-bunda.
Quando você sair com ela
não ponha tuas roupas domingueiras.

Mas a melhor história é da Bárbara
que corre pra pegar a maior faca de cozinha
pra cada briga doméstica, dessas ruins.
Aponta pro corazón dela mesma
como uma sacerdotisa azteca que pirou
ME MATO!


Eu te digo, em noites como estas,
algo sai borbulhando
desde as pontas de nossas botas
até o pico do nosso uivo de coiote.

Vocês são muito ruins, diz uma voz
que vem do bar. Mas não, nós não somos ruins.
Porra! Eu já fui e voltei do inferno.
Menina, e eu também.


Tradução: Miriam Adelman
Revisão: Sabrina Lopes e Marcia Cavendish Wanderley.

terça-feira, 16 de junho de 2009

De una poeta mexicana...

Para minhas amigas e meus amigos que estão na Espanha, posto hoje -desde Curitiba!- um poema em castelhano. Eu gostei muito dele anos atrás quando o li pela primeira vez (quando morava no México), tanto que guardei a folha de jornal onde havia aparecido (era um jornal diário da Cidade de México) e me acompanhou em longas viagens, junto com outros - não muitos -recortes de jornal e revista. Mais recentemente, procurei na Internet alguma outra criação literária da poeta, e não achei (se alguém souber dela, me avise!)


Ya no soy un caballo
germaine calderón

Hay signos
desesperanzas en duelo
algunos vagabundos
en crecimiento con la noche
con el olor del mundo
muchachos
como pájaros tímidos

Los montes marineros azules
nosotros silenciosos
buscando algún rellano
um pueblo más que este
insignificante en tres patas
una sombra del tamaño del água
y un vino incesante
a la hora de la memória
para caer tumbados en las lindes
donde se rie
com una extraña mueca
por nuestra desnudez obcena

Hoy he volteado
mi sueño como un guante
yo mismo
me he puesto a secar por el reverso
y el corazón se extraña
de su doblez
de su flanco
de su tamaño inminente
y yo me extraño
de ser tan parecido
a un hombre

Siempre pensé que era un caballo
las gentes me llamaban por mi nombre
y yo acudia
con un instinto manso

Amaba la corteza llovida
el grano tierno como dádiva
y creia
en los músculos simples
en la rapidez del aire
en la oración impaciente
desbocada

Entonces
los árboles
semejaban guerreros
lo verde venia de las raíces
y las raíces no tenian
um lugar fijo

En esas largas caminatas
se estrenaban los dias
y no habia outro lenguaje que vivir
de uma manera recia
desde el origen
casi brutalmente

Sabia que estar
era doblegarse
por disciplina
no por hambre
que era el tiempo de los mitos
de los encantadores
con sus flautas

La medida era el fuego
el bienestar residia
en ser
de pronto
de la crin a los nervios
rebelde
y sin embargo,
el ojo siempre
agrandado
por la mansedumbre

Pero hoy me descubro
tan igualmente a todos
limitado en ideas
en trabajo
y tan sólo
y tan sólo mirando

terça-feira, 2 de junho de 2009

Reflexões

Nestes dias de estar longe de casa (chegando a dois meses!) um grande motivo de felicidade foram os novos amigos que fiz por aqui (Adriano, Jane, Bianca, Rayssa, Marcio e Ulla, entre outr@s...) e as longas conversas tidas, geralmente enquanto caminhávamos pelas ruas e ruelas de uma Barcelona noturna. São tantas coisas que espero retomar para novas reflexões – por exemplo, como é que a vida se reconstrói “em terra estrangeira”? Como se aproximam e se afastam as palavras, línguas, os sentimentos do Outro? Onde é possível viver e florescer? Reflexões estas que podem levar para o campo da sociologia, ou da palavra poética, ou ambos. Para hoje, apenas uma citação, trecho encontrado num maravilhoso livro que também tem sido “companheiro desta viagem”, Tales of Love and Darkness do escritor israelense, Amos Oz:


"I said a little compassion and generosity, but I didn´t say love: I´m not such a believer in universal love. Love of everybody for everybody - we should maybe leave that to Jesus. Love is another thing altogether. It is nothing whatever like generosity and nothing whatever like compassion. On the contrary. Love is a curious mixture of opposites, a blend of extreme selfishness and total devotion. A paradox! Besides which, love, everybody is always talking about love, love, but love isn´t something you choose; you catch it, like a disease, you get trapped in it, like a disaster. So what is it that we do choose? What do human beings have to choose between every minute of the day? Generosity or meanness..."

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Um poema de Marcia Cavendish Wanderley

Em meu Quarto


À noite em meu quarto
Ouço a vida escorrer pelas estantes
nos livros cresce uma penugem verde malva
como se fosse musgo
envelhecendo madeiras recém-natas
Mais tarde ele recobrirá nossos lábios
E avançará , em direção à casa
ameaçando seus mais jovens habitantes.
Mesmo aqueles que ainda acreditam
em eternidade.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

"Depois de tudo"

Uma nova tradução (trabalho em andamento), versão do poema, "After Everything" de Sandra Cisneros (do livro
Loose Woman), feita por mim e por minha colega Marcia Cavendish Wanderley.


É sempre assim
Acabou a bebida em casa
O último cigarro queimando na brasa
E uma alta dose de poesia

Às duas horas da manhã ,já é claro
que tudo vai dar errado
mas lá vou eu assim mesmo
com as artérias encrespadas como artilharia
quando disco uma chamada

Este ou oeste
Central ou pacífico
Chicago, San Antonio , New York

E quando tiver lançado
minhas palavras como pedradas
cortando o ar com minha língua
que
explode esposas
e faz bebês chorarem


quando meus amantes pararem de falar
-você é louca, não grite mais,
dane-se e por favor
fale inglês

E depois de tudo
quando tudo o que é quebrável
for quebrado
somente um silêncio pesado
e o sinal do telefone gemendo
como o meu coração

terça-feira, 19 de maio de 2009

Hoje*

Early in the morning, I catch a train from Barcelona to the town of Mataró, a ride that lasts a little less than an hour (though later a taxi driver who takes me to the outskirts confirms that coming up from the city by car would slash trip time in half ). The women sitting in front of me, one of them nestled asleep in the cushions of her seat, both have very Latin American faces: the sleeping one is dark red-brown with a thin, worn Indian face, the other, a round and middle-aged mulatta. A common sojourn, taking them perhaps from one periphery to another, to their quotidian chores of cleaning or caring or simply keeping afloat.

Heading north along the coast, a still-empty Mediterranean beach stretches out alongside me, and I imagine by the time the breakfast hour has gone by it will be sprinkled with bathers and beach goers. The towns we pass seem almost to repeat the density of the big city we have left behind us, but are not all the same: in one, a reddish brown medieval church spire rises into the morning air; in another, the houses across the road from the railroad tracks have quaint Spanish balconies and weathered wooden shutters and, finally, closer to my destination, become the neat but rather desolate rows of cinderblock constructions that as my new friend reminds me, house immigrants from the Maghreb and sub-Saharan countries lying below. And then, the rise of short green bushes and slender trees as we head by cab through this sparse countryside, toward the equestrian center where I have an interview to carry out. A brief conversation, a half- hour or so spent watching a woman of about my age – a non-practicing veterinarian of about my age who has told me she is the mother of six children – take a riding class, and another, younger, blonde, who exercises a monumental dappled gray . Today, though, nobody tells me anything I don´t already know. Moment of impasse in my work? In my life? To cross an ocean looking for love and change and knowledge, e dar de cara com (a falta de) o desejo do Outro. Or perhaps just more of the same old story: one person´s work is another´s leisure; one person´s pleasure, another’s pain…Again, it seems I cannot avoid handing myself over to the crueler moments of life. O vazio onde esperava a resposta. The stilted choreography of breaking loose. Maybe I didn´t think it would happen again. Maybe not quite this way. I wait, though today rather impatiently, for my ride back to the station.


* Or: "Today I kind of feel like going home..."

domingo, 17 de maio de 2009

Tempo

[um escrito meu - não muito recente]

fabricação de estações que se apressam,
o fino papel das folhagens, a pálida excitação de
mais uma primavera, com suas tulipas e a grama
recém cortada. O tempo é agora meu inimigo
por que é o tempo que te faz virar contra mim, te
apavorar do galope do sentimento. O tempo que joga
atrás de mim seus caminhos, tão longos e populosos
que se te estendesse minha mão e te puxasse, mesmo assim você
viraria a cabeça, as costas. O tempo com sua música alta,
as cordas fortes, e o silêncio do presente onde uma vez
pude te sentir a respiração. Tuas mãos no escuro desse silêncio.

O passado, denso bosque onde nem sonhar em você poderia. A clareira
Onde alguma vez descansei com as minhas irmãs , o sangue das amoras pintando nossas mãos. E as estradas que partiam em todas as direções, mas nunca, nunca para convergir nesta paisagem, neste acidente de encontro. Aqui onde você me amaria se fosse menor, mais imperfeita, mais esvaziada de tempo, de voz mais doce ou bela.

Agora é tua voz que engrossa. Meninas que dobram a esquina para te ver, desejo nos olhos, as mãos estendidas, pedindo tão pouquinho. Fácil é para você: só repetir a mentira, seguir a rota segura da fuga. Eu, aprisionada no cenário do acidente, fuço na minha mochila gasta, alguma prenda para te chamar de volta: umas moedas, um pedacinho de chocolate, uma carícia inesperada.

Deito minha cabeça no teu silêncio, puxo nas cordas do temor.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Prometo...

Não acredito... dia 12 de maio e ainda não postei nada este mês. Mas as viagens ocupam o tempo e a mente com outras intensidades (não digo interrupções). Aqui em Barcelona tive a felicidade de, entre outras coisas, ouvir a fala de duas sociólogas particularmente brilhantes (Arlie Hochschild, dos EUA e Eva Illouz, de Israel) -- no CCCB, ou Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona, aliás, um lugar que adoro. Agora estou lendo um livro da primeira e logo pretendo postar uns comentários, suscitados pela leitura e por estar neste lugar onde convergem "outros caminhos". Por outro lado, eu e minha amiga/colega Marcia continuamos com as traduções de Sandra Cisneros, assim que não demorarei muito para postar uma ou duas novas. Só peço um pouquinho de paciência!

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Viagens...

São muitas, as sensações, e as reflexões, inclusive as que tomarão uma forma de escrita mais na "modalidade sociológica". Por enquanto, é isto o que consegui escrever -- sobre esta, a continuação das muitas viagens desta vida.



Mediterranean sunlight
white as bleached bone,
expanding the heat
of the heart. How strange,
how estranged life can get!
A language spoken loudly,
and no characters you can
decipher. People you’ve known
your whole life suddenly
worlds apart. A hand
warm and unfamiliar
cupped to a thigh. Having to live
for the moment with no
hearts breaking. People
talking to each other across
tables, pulling notes you
don´t have from their
wallets and pockets. Solitudes
growing the thickness of bushes,
the heavy waists of many
pregnancies. Alone in a
windy spring on Las Ramblas.
With students crossing a silent campus,
deserted Sunday in a French river
town. Solo saxophone in the Paris
metro. Lessons learned in singular
and plural. Morrocan pipes and distant
homelands. Hands curled around
grimy subway car poles, around
glimmers of light through
wounded afternoons. A place
where each city is
as good as the next.

domingo, 26 de abril de 2009

"O coração ronda sobre conjecturas"

Posto mais uma tradução da obra da poeta Sandra Cisneros.
O título original, "The heart rounds up its usual suspects."
Versão da minha colega, Marcia Cavendish Wanderley, com uma
pequena colaboração minha de revisão!



Dormirei com o gato
quando não houver ninguém ,
a quem eu possa me dar,
por amor ou dinheiro -

Ligarei para todos
que costumaram me amar.
Ou seduzir-me com o olhar
em minha teia de aranha

Pirada como as noivas de verão
Gelada como uma teta de bruxa,
uma patética puta .
Em suma, uma mulher ordinária.
Grata pelos excessos.

Ao menor esforço de generosidade
agarro-me ao primeiro ciclope que me pega,
me deixa mijar no tapete
e me mantém farta.

Está vendo esta mulher?
Considerada inofensiva
Perigosa e destrutiva
Apenas para si mesma.

sábado, 18 de abril de 2009

Algo a dizer...

Estou em viagem, vendo muita coisa e com vontade de escrever. Mas também, precisando de mais tempo para ir assimilando o que vejo e realmente ter algo a dizer. E como a estrada não é um lugar muito propício para preparar novas traduções, estou meio "com as mãos vazias" e não sei bem o quê postar hoje. Assim, só me ocorre publicar este poema - o escrevi anos atrás, após outras viagens...

Gypsy II.

there were days i would step out
from my cove, into the sunshine
of some midday, to pick red
berries and feel the company
of doves and slippery fishes.
my hands were two open gourds,
swishing cool water for the little ones,
gathering the grains of sand through the green
hours, finding in them some shining stone or
some dark stone brighter than the others.

now solitude has slipped
from the summer. others have
settled the furthest shores,
and so we recede, past the blue
hotel and the rocks with their angry
black letters. my children
cling hungrily to me. in the
distance, the craggy outline
of the city looms. the soles of my feet
thicken, not stumbling now
on the long-rooted vines
or the twisted brush of the beach.
gulls stalk close to me, take bread crumbs
from the shiny leather of my palms.
when the wind comes, it is cold and low
and loved. we are alone, waiting for night.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Outras primaveras...

Estava fuçando nos meus arquivos, a ponto de publicar um poema que escrevi que leva o título "Harsh Winter". Mas mudei de idéia: já que estou (dentro de poucos dias) viajando para onde a primavera logo começará, melhor postar outro que também estava guardadinho (do ano passado, com uns ajustes que acabei de fazer) -

Seasons

Winter coming on.
Here I have only these few words,
These hands rubbing out some warmth
In the frost of the morning,
This offering stolen
From the middle of life.

A distant friend.
Rain falling
Somewhere I´ve never yet been,
Somewhere spring has come.

Tread lightly then, that path
Into the woodlands.
Let´s not frighten the deer,
Arouse too early the slumbering bear.
Let him await his hour.
He will come searching
For his honey,
Big brown paws spreading
Into the hollowed marrow
Of a trunk.
Bees flying.
Buds like plush pink fingertips,
Everywhere.
An aroma of summer.
Soon, there will be children
Dashing into ponds,
Diving from above,
Taking short, quick gulps
Of clear, new water.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Nova tradução de poema de Sandra Cisneros






Bom, pessoal, eu continuo na tarefa - muito prazerosa!- de procurar formas de traduzir a voz da escritora e poeta chicana Sandra Cisneros ao português. Venho refletindo muito sobre a obra dela - eu já li seus dois romances, "The House on Mango Street" e "Caramelo", li também seu livro de contos "Woman Hollering Creek" e os dois livros de poesia dos que venho selecionando os poemas que traduzo. Penso logo escrever mais sobre ela como escritora, continuando um pouco o trabalho "teórico" que fiz no meu texto "Modernidade e Pós-modernidade em Vozes Femininas" (que aliás está agora disponível no livro que acaba de sair esta semana, organizado por meu colega da UFPR Adriano Codato, com o título 'Para viver no século XXI - os problemas da contemporaneidade' Editora SESC Paraná). Por agora, só digo que enquanto traduzia, sentia na voz dela, o que talvez sejam algumas influências... a grande Sylvia, e Bukowski "no feminino"...?? Natureza Morta com Batatas, Pérolas, Carne Crua, Lantejoulas, Gordura e Casco de Cavalo. [Still Life with Potatoes, Pearls, Raw Meat, Rhinestones, Lard and Horses’ Hooves. ] Para Franco Mondini Em espanhol é naturaleza muerta e de maneira alguma é vida. E certamente não é natural. Mas o quê é natural? Você e eu. Eu te compro um drinque. A uma mulher que não se comporta como mulher. A um homem que não se comporta como homem. A morte é natural, pelo menos em espanhol, creio. A vida? Fico na dúvida. Veja o exemplo da Contessa, quem nos seus tempos era divina e agora porta uma verruga do tamanho deste diamante. Então ragazzo, você é Veneza. A você. A Veneza. Não aquela de Casanova. mas a das pensões baratas, ao lado da rodoviária. Eu recomendo uma cama estreita manchada de sêmen, mijos e pena face à parede. As manchas, os detritos são românticos. Você é positivamente Pasolini. Dançando tango e fandango até a morte. Se deixarmos. Eu não deixo! Ninguém me supera, sou Piazzola. Dançarei o tango com você na minha calçinha fio dental de renda manchada com fluxo de primeiro dia e uma teta só pendurada do meu vestido como as cataratas do Niágara. Você falou 'duress' ou 'dress'? Vamos cantar um dueto de Puccini – eu gosto de La Traviesa. Serei teu macaco treinado. Serei lantejoula e pulseira. Serei Mae, Bette, Joan e Marlene para ti – Serei qualquer coisa que você pedir. Mas peça algo glamuroso. E que me faça rir. Outro? O que eu quero dizer, querido, é que nada há de romântico na fome para os famintos O que eu quero dizer é que o medo não é emocionante quando é você que tem medo. O que eu quero dizer é que a pobreza não é charmosa quando é a tua casa da qual não se pode escapar. A corrosão não é bela para os corroídos. O que é beleza? Batom num pênis. Um beijo numa ferida purulenta. Um salto agulha que pode perfurar um coração. Um tijolo atravessando o pára-brisas que quer dizer eu te amo. Uma mágoa que bate na porta. Olha, eu preciso te confessar, aqui não é Veneza nem Buenos Aires. Que vivan las perras. “Que me sirvan otro trago…” É San Antonio. O espelho não é uma feirinha. É um incêndio. E estes são os vestígios do que se pôde levar ou salvar. As pérolas? Comprei na loja Winn’s. Meu casaco de pele? Acrílico genuíno. Graças a deus aqui não é Berlin. Outro drinque? Barman, outra garrafa, mas- Ay caray e ah, meu deus!- O loirinho bonito não quer mais nos servir. Aos campos da morte! Aos campos da morte! Que grosso. Que vulgar. Beba até o fundo, meu docinho. Tenho a grana. E ele, não sabe quem nos somos? Que vivan los de abajo de los de abajo, los de rienda suelta, as bruxas, as mulheres, os perigosos, os bizarros. Eu conheço um bar onde nos pagarão os drinques se eu botar minha saia na cabeça e você entrar vestindo nada mais além do meu sutiã preto. [do livro Loose Woman., New York: Vintage, 1995] Versão em língua portuguesa: Miriam Adelman Revisão: Marcia Cavendish Wanderley.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Five of Staves - um poema de Diane Wakoski

Vou postar este poema de Diane Wakoski em versão original em língua inglesa. Por questões de linguagem e referências culturais, é muito difícil de traduzir (talvez a gente ainda tente). Mas gosto dele -muito forte!- como poema, e também me chamou muito a atenção por tratar - com tanta sagacidade e ironia - do tema da "homosociabilidade", que é até uma questão muito relevante para as pesquisas que minha orientanda Fernanda Moraes e eu andamos fazendo na sociologia (quem tiver curiosidade ao respeito, um texto nosso está no:http://www.uff.br/esportesociedade/pdf/es903.pdf )

5 of Staves (Wands):Young Men Fighting or Playing with Green Poles.


The secret
has always been
what men find
to do
with eachother. Those great
majority of moments which, like football
and jock itch, and mining
exclude women.

We have so
little.
The hut
where we go
when we’re bleeding, and the moon
is swimming or being washed from out between our
thighs.
Water polo,
a big sport,
at my Southern California high school,
favored by rich kids who lived in the
Heights with swimming pools
boys
who drove their new Fords when they were juniors
after their sixteenth birthday, boys
who closed their eyes when they touched
us in those wet places, all
of us hoping their hands
would not come away bloody. But the
lips always were.
whether we say “Bah-bah-bah-
Bah-bah-bra-Ann” or
my “Little Deuce Coupe”
whether we drank cherry cokes
or milk or wrote poetry or watched movies, we walked in our starched crinolines
and lacy blouses once a month to
segregated rooms, smelling like fish
under our deodorant.

But the boys, they had fun
when they were segregated;
when they were alone together
they touched
-- with jokes,
or greetings
“Hey Man”
as we never did;
they talked,
as we still cannot;
they found out how to run the world,
as,
of course,
we do not.

And water polo, those boys
hitting that big white ball around
in the green-like-emerald water
of the FUHS Olympic-sized pool,
Oh, they even knew our secrets.
That the moon they tapped and spun and slapped
around the water was just like the one
pushed out between our thighs each month
- if we were good,
- if we were lucky,
- if we were smart.

Oh, don´t tell me EVER
that women have secret lives
or treasures
that no one except other women
knows about.
Tell me,
instead,
that the secret is,
and always has been,
why
men find so much pleasure in each
other’s company; why women
when they are segregated and together with
each other, have only the menstrual hut,
the old, rusty, monthly blood
to share?
or its taboo opposite:
the little clone of ourselves
forming inside our bodies,
etching its face and shape on the moon,
which will then disappear for nine even lonelier
months.

A child to replace the mother.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Seis irmãos – um poema de Sandra Cisneros

[Título original: Six Brothers. Do livro: My wicked wicked ways.
Third Woman Press. 1987]

Seis Irmãos


No conto de Grimm, Os seis cisnes, a irmã mantém um silêncio de
seis anos e tece seis camisas de urtiga para romper o feitiço que
transformou seus irmãos em cisnes. Ela as tece todas, mas deixa de
fazer a manga esquerda da última camisa, e quando seus irmãos voltam a
ser homens, ao caçula lhe falta o braço esquerdo – no seu lugar,
está uma asa de cisne.




Em espanhol nosso sobrenome significa cisne.
Um grande passado – castelos talvez
ou uma cidade do Saara,
se bem mais provável
um sobrenome que grudou
num menino descalço
que tocava o rebanho poeirento
por uma estrada luminosa.

Nunca vamos saber.

Talvez soubessem
os tátaro-avós
mas família gosta de guardar silêncio
talvez com bons motivos
e nem precisamos olhar muito para atrás.
Há de parte de pai um primo
de segundo grau, mas de todas maneiras,
primo –
que deu um tiro em alguém, creio
que era na sua mulher.
E por outro lado, há
um irmão da mãe que deu
um tiro nele mesmo.

Depois somos nós –
sete maneiras de fazer um sobrenome
ou quebrá-lo.
Nosso pai tem tudo planejado:
o mais velho, você será médico,
o segundo, administrador,
você – ele encolhe os ombros –deveria
apresentar meteorologia no jornal ,
o próximo, músico,
atleta,
gênio,
e o caçula, bom,
você assumirá o negócio da família.

Vocês seis, uma equipe,
seguindo o plano mestre,
o movimento cadenciado da tradição.
Vivemos para o que um espera do outro.
Meus irmãos, como é difícil acompanhá-los.
Eu tenho em mim o sangue ruim, eu penso,
o tio demente, o pedaço de bala.

Peçam-me qualquer coisa.
Seis camisas de urtiga. Um voto de silêncio.
Eu cumprirei. Mas eu sempre submergida
na minha admiração terrenal .
Meus seis irmãos, ágeis, fortes.
Salvo você, pequeno de uma asa só,
que se atrapalha igual eu
para manter limpo o bom sobrenome.

Tradução: Miriam Adelman.

quinta-feira, 12 de março de 2009

There it will be springtime…

[um poema meu para hoje]

i.

between us, the freezing
roll of ocean waves.
a nordic winter.
fjords full of icy dreams.
whalers riding their tall ships
into a glacial fog.
the sea rocking harder,
months to the nearest coast.


ii.

but i can hear you breathing.
hear you prying your way
into my thoughts.
boats are coming to shore now
beneath some high pasture
where furry cows munch
on new clover,
paw through the last
thin layers of snow.
now waiting is only a brief season,
a gentle prelude,
a tethered pony standing
patient in the moonlight.
i think you can hear me.
the wind has settled.
it is warm here in this clearing
where crocuses open their mouths
to the spring.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Dois poemas de Yehuda Amichai

Duas novas traduções, de poemas do israelense Yehuda Amicha (1924-2000). Nossas versões foram elaboradas em cima das versões traduzidas do hebraico ao inglês por Chana Bloch e Stephen Mitchell (Selected Poetry of Yehuda Amichai, New York, Harper & Row) .


De tres ou quatro numa sala


De três ou quatro numa sala
há sempre um que aguarda ao lado da janela.
Ele deve estar vendo a maldade entre as espinhas
e os incêndios nas colinas.
E como pessoas que saíram de casa inteiras
são devolvidas no final da tarde como moedas pequenas.

De três ou quatro numa sala
há sempre um que aguarda ao lado da janela,
seus escuros cabelos por cima dos seus pensamentos.
E adiante dele, vozes que vagueiam sem mochila,
corações sem provisões, profecias sem água.
pedras grandes que são devolvidas
e permanecem seladas, como cartas que não têm
endereço, ninguém para recebê-las.


Poemas para uma mulher.

1.

Teu corpo é branco como areia
onde nunca brincou criança nenhuma.

Teus olhos são tristes e formosos
como imagens de flores num livro didático.

Teu cabelo solto,
como a fumaça do altar de Caim:

Preciso matar meu irmão.
Meu irmão precisa me matar.


2.

Todos os milagres da Bíblia e todas as lendas
aconteceram entre nós enquanto estávamos juntos.

Na calma colina de Deus
pudemos descansar um pouco.

O vento da matriz soprava para nós em todo lugar
Sempre tínhamos tempo.

3.

Minha vida é triste como o perambular
dos errantes.

Meus pensamentos são viúvas,
minhas chances não casarão nunca,
jamais.

Nossos amores vestem os uniformes dos órfãos
do orfanato.

As bolas de borracha voltam à suas mãos
após bater na parede.

O sol não volta.
Nós dois somos uma ilusão.

4.


A noite toda teus sapatos desabitados
uivavam ao lado da cama.

Tua mão direita alcança desde teu sonho
Teu cabelo estuda “noitês”
de um manual de vento
rasgado.

As cortinas que se movimentam:
embaixadoras de superpotências estrangeiras.

5.

Se você abrir teu casaco,
Terei que dar o dobro de amor.

Se você vestir o chapéu redondo e branco,
Terei que exagerar meu sangue.

Da sala onde você faz amor,
terão que tirar todos os moveis

todas as árvores, todas as montanhas, todos os oceanos.
O mundo é estreito demais.

6.


A lua, aferrolhada com uma corrente,
fica quietinha lá fora.
A lua, aprisionada nos galhos da oliveira
não consegue libertar-se.

A lua de esperanças roliças
roda entre as nuvens.


7.
Quando você sorri
As idéias serias se exaurem.

De noite as montanhas ficam quietas ao teu lado,
de manhã a areia te acompanha os passos até a praia.

Quando você me faz coisas agradáveis,
todas as indústrias pesadas encerram atividades.

8.


As montanhas têm vales
e eu tenho pensamentos.


Estendem -se até a neblina e até
a ausência de estradas.

Atrás da cidade portuária
impunham-se os mastros.

Atrás de mim começa Deus
com cordas e escadas,
com caixas e guinchos,
com sempre e para sempres.

A primavera nos encontrou;
todas as montanhas ao nosso redor
são pesos de pedra
para pesar o quanto amamos.


A grama afiada chorava aos prantos
no nosso esconderijo escuro,
a primavera nos encontrou.


versão: Miriam Adelman e Claudia Borio

sexta-feira, 6 de março de 2009

Trocando palavras...

Continuando nossos novos diálogos literários, posto hoje um poema do amigo e bloguiero "fn"
(e aproveito para lembrar mais uma vez ao pessoal todo, do "convite" que já fiz ...):

LIVRES, LEVES, LOUCAS
fn

Palavras abandonam minha boca
e alcançam teus ouvidos.
Dali tomam rumos incertos,
desconhecidos.
Não pense com elas,
embora já te pertençam.
Deixe-as fluir,
como qualquer coisa
que não se imagina conter.
Palavras soltas, indomáveis,
fortes ou suaves,
que não medimos as consequências
antes de libertar.
Percorrem o corpo e a mente,
como o sangue a correr
duvidoso
por baixo de tão alva pele.
Solte as suas,
talvez
em forma de súplica, gemido
ou falta de ar.
Também não pense duas vezes
antes de agarrar as asas
e partir
só pra ver no que vai dar.
Palavras, às vezes voam
como aviões de guerra
a transportar sentimentos feridos.
Palavras não são donas de nada,
mas uma vez proferidas
têm a força
de fecundar ou destruir
o futuro incerto na parede.

segunda-feira, 2 de março de 2009

mais um...

meu, sem traduzir...


What’s left

i.

women and men, the
ceaseless battle. i saw you there
on the horizon where
the dancing was meant
to stop. you followed me
into my cave, around the
lime green of the stones
and the sleeping rattlers.
for the millionth time, the
charms failed: running
from you, turning toward
your absence.

ii.

hearts, eyes, tendons. i
have spent all on this long
hike against the wind. now
i am falling downhill again,
rolling, tumbling.
love is a dry bone. love is
your finger against my lips
silencing me.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Sandra Cisneros em espanhol

Para complementar a tarefa iniciada - tradução e divulgação do trabalho poético de Sandra Cisneros - me ocorreu postar um poema escrito por ela em castelhano. Inclusive porque vai ao encontro com uma proposta inicial do blog - de promover o trânsito literário entre três línguas. Será então a primeira postagem em espanhol, de uma escritora cuja obra principal está em inglês, mas que se permite, de vez em quando, a celebração linguística de suas origens mexicanas.


Tantas Cosas asustan, Tantas
[do livro: My Wicked Wicked Ways ]

Tantas cosas asustan. Tantas.
Los muertos y los vivos.

Lo que la oscuridad no nos permite ver
y lo que nos permite.

Pasos sobre un patio
tanto como el silencio.

Y cosas simples.
Aritmética. La renta.

El infinito también asusta.
Números. El cielo.
Dioses que siempre fueron y serán.
La imortalidad.

Qual es peor?
Estar siempre sola,
o estar con alguien para siempre.

Y el finito aterroriza.
Nuestras vidas por ejemplo.

El amor asusta.
Igual la luna y los generales.
Y pesan mucho.

No uno por uno.
Pero todos juntos.
Como una lata de canicas.

La felicidad, al contrario,
es otro asunto.
Tiene que ver con papalotes.




Segundo ele... (nova tradução)

Eis aqui uma nova tradução nossa, da obra da poeta e escritora chicana, Sandra Cisneros*. O título original do poema é His Story [do livro My Wicked Wicked Ways, Third Woman Press, 1987].


Segundo ele ...


Nasci sob uma estrela maliciosa.
Assim diz meu pai.
Isso talvez explique sua pena.

Uma filha única,
que ninguém vinha buscar
e nem ao menos afastar.

É um destino antigo.
Um traço de família vindo
De uma tia avó imencionável.

Seu pecado era a beleza.
Viveu como amante
E morreu solitária.

Houve também
uma prima com a famosa
como posso dizer isso?...
profissão.

Ela fugiu com um coronel,
e logo após:
com a folha de pagamento do
exército.

E, é claro,
A mãe de vovó,
Que morreu de feitiço.
Há outras.

Por exemplo,
meu pai explica,
nos jornais mexicanos,
uma garota com meus dois nomes
foi presa por crimes audaciosos
que tiveram início
com a desobediência ao pai.

E também, e aqui ele para,
o cubano que lhe vende sapatos
diz que ele também conheceu uma
Sandra Cisneros
que foi três vezes uma viúva
amaldiçoada.

Você vê,
destino azarado é o meu,
nascida em uma família de homens.

Seis filhos, geme meu pai,
todos em casa,
e uma fêmea,
que partiu.

versão: Claudia Borio e Miriam Adelman

* veja minha postagem de 19/01/09 sobre Cisneros e sua obra.
Ou acesse minha tradução dela, através do link: sibila.com.br/poemas52mexicanomim.html

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Novo poema, nova tradução

Um poema que escrevi hoje, em inglês, e em seguida traduzi. Acho que ficou melhor em português...será?

Fábula

He wanted to have it all:
the round baskets of plenty,
smooth-legged women, a daughter’s
trust. To drink from the river
always where the water was
sweet and fresh. To give
openly his warmth
wherever and whenever
he wanted.
To hurt no one?

There were girls
waiting at every bend
in the river
with flowers, with shining
teeth.
No time to waste.
No reason to linger too long
in any grove.
Tomorrow would always come again:
a red sun, the darkened hollow
of the heart.


Fábula

Ele queria tudo:
as redondas cestas da abundância.
as mulheres de pernas macias, a confiança
de uma filha. Beber sempre
no lugar onde a água era mais
fresca, mais doce. Dar livremente
seu calor, em qualquer lugar
a qualquer hora.
Não magoar ninguém?

Havia garotas
esperando em cada curva
do rio, esperando com flores,
com dentes que brilhavam.
Não havia tempo a perder.
Nem motivos para vacilar
muito tempo em algum
arvoredo.
O amanhã sempre viria:
um sol vermelho,
a escurecida cova
do coração.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Poetry, the unpredictable –Diane Wakoski.

Eis aqui uma nova tradução, em primeira versão (ainda sem revisar). Gostei muito do poema -- mais simples, mais "na brincadeira" talvez. O que de vez em quando faz falta...

A poesia, a imprevisível.

Você me faz perguntas
que eu posso responder.
Não me satisfazem,
como os pacotes de semente que descansam
sobre minha mesa:
a pimenta doce da Califórnia ou o aneto gigante,
sementes que talvez nem plante, e que com certeza
tem poucas chances de prosperar na casa de
alguém que viaja, planta sementes em vasos para depois
deixar os vasos para outros cuidarem.

Meu dedo verde me excita
porque não há resposta para a pergunta de
por que algumas coisas crescem enquanto outras
não-
e minhas aulas de botânica nunca me ensinaram por que algumas plantas
têm botão e
outras não.

Vejo só que as rosas me excitam
e outras coisas vivas.
E o oceano atrás da minha porta,
do outro lado das janelas,
nestes dedos;
é este o ruído.
Eu o amo/mas de noite intimida

O desconhecido,
O misterioso,
Aqueles de nós que precisamos saber tudo
descobrimos que quanto mais conhecemos,
mais o que não conhecemos
nos excita.

A poesia?
Com certeza o mais imprevisível?
Como as rosas do proprietário
desta casa, as que as minhocas
não devoraram.


(versão: Miriam Adelman)

domingo, 15 de fevereiro de 2009

O tempo passa, o quê acontece com os objetos/sujeitos do desejo?

[Após participação num programa de rádio e depois, uma tarde de papo com @s amig@s em que voltamos mais uma vez ao tema...]

Entre “nós da academia” virou quase clichê a afirmação que o sujeito se produz nos (através dos) discursos. Não que todo mundo concorde. Afinal, as velhas discussões entre “materialistas” e “culturalistas” continuam e todos nós também sabemos muito bem que na nossa área os debates nunca se resolvem. Muito pelo contrário, se repetem, se re-significam, encenando novas e antigas dimensões - fonte de persistente ansiedade para os que querem encaixá-los noutro modelo de “cientificidade”.

Não muito distante destas discussões, ou melhor dito, parte delas, é como “os corpos se constroem discursivamente.” Concretizando um pouco: no meu próprio trabalho venho discutindo diversos discursos sobre corporalidade feminina - as formas de falar e pensar sobre o corpo e sua relação com práticas que nos tornam mais competentes, ou mais inseguras, mais “empoderadas” ou mais obcecadas (apenas?) com as belas formas...

Na poesia de Diane Wakoski, está sempre presente esse corpo/sujeito feminino construído, constrangido, emergido da cultura, do nosso tempo/momento. Por vezes, tratado com muita auto-ironização, e sem nenhum receio de mostrar-se em constante conflito com os modelos de feminilidade que tormentam e atraem. Em conflito com os códigos que nos validam socialmente como seres que podem ser desejados por outros. Códigos que têm um impacto enorme sobre nossa subjetividade, pelo poder que têm de nos frustrar como sujeitos do desejo...
,
Pensemos por exemplo um pouco sobre os discursos que circulam sobre as mulheres (e os homens) na meia idade. Num filme recente, Fatal – baseado no romance O Animal Agonizante do renomado escritor norteamericano Phillip Roth - resgata-se mais uma vez o “direito natural” dos homens velhos sobre as mulheres mais novas, através de uma curiosa estratégia narrativa: após longos questionamentos sobre a “sustentabilidade” ou validade da relação entre a jovem e seu muito mais velho professor, a jovem apaixonada perde o poder ou vantagem outorgada por sua juventude perante o amante quando desenvolve câncer no seio (a mutilação do seu corpo que resultará da cirurgia a vulnerabilizará, sugerindo a destruição da sua perfeição juvenil ao mesmo tempo que legitima a proteção que o macho lhe dará!) O que me fez lembrar de um outro filme, que assisti uma vez numa viagem de ônibus para Florianópolis, Stepmom - produção hollywoodiana comum, mas protagonizada pela maravilhosa Susan Sarandon que contracena com a "queridinha" Julia Roberts. História do conflito entre as 2 mulheres - a ex-esposa e mãe dos filhos, e uma nova, jovem e linda fotógrafa, atual namorada do ex-marido - que gira em torno de disputa por uma posição na família, o papel materno –, nos traz mais uma vez de volta à naturalização do direito dos homens mais velhos, seu "privilégio" de viver a vida como o desfile de fêmeas sempre renovadas, como descarte das mais velhas. Curiosamente (?), a doença é neste filme também a “estratégia narrativa” utilizada para naturalizar esta sucessão de mulheres (e de afirmar, entre outras coisas a superioridade do corpo masculino, ainda “forte e desejante”), pois a personagem de Susan Sarandon morre de câncer. E finalmente, lembrei de um romance de Milan Kundera, que li anos atrás, Imortalidade no qual a protagonista, uma bela e inteligente cinquentona – que um dia andando pela praia tem a percepção resignada que os homens não mais olham para ela e ao longo da história vai perdendo a vontade de continuar vivendo, acabando morta em acidente de estrada – vai no mesmo sentido. Mulheres mais velhas que “não servem mais” para agradar os olhos dos seus antigos parceiros, e cujos filhos não mais precisam delas! Como no ditado popular “Deixa a fila andar”!!??

Sei que há outras “construções discursivas”... bem minoritárias ainda, ou que não circulam muito pelos circuitos da cultura de massas ( a não ser nas formas diluídas e ambíguas de certas celebridades brasileiras -- ah, qual a nossa dívida com Susana Viera!?) Há, como escrevi noutro lugar*, a dignidade e sabedoria das personagens femininas mais velhas criadas por Virginia Woolf, entre elas Clarissa Dalloway (Mrs. Dalloway) e Mrs. Ramsey (Ao Farol) Também por isso estou gostando do trabalhar com a poesia de Diane. Uma voz que me parece genial. Pelo sarcasmo e a compaixão, ou bem, pela coragem de se expor, e com sua mistura particular de senso de humor e raiva, de ternura e contestação, de se afirmar como sujeito e objeto do desejo. De reivindicar poeticamente e ironicamente esse direito que todas temos, ao longo de nossas vidas, de sermos admiradas e valorizadas pelo fazemos – com as mãos, ccom a mente, com o coração, com o corpo.

* no prelo, artigo "Modernidade e pós-modernidade em vozes femininas"

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Aprendendo com as "mestras"...

Bom, enquanto Sabrina e eu vamos preparando novas traduções, publico mais um poema meu. Escrito numa época de intensa convivência com a obra de Diane.



Desert II


The numbers in my head are screaming.
The long list of severed names, the places
where the glinting train came to its
lurching halt. The blue lights
of a desert highway where angels
are spawned, where iguanas
blink and scuttle off into the
night. Some end of the road
Bagdad Café, some Last Chance
Texaco where you found her:
the one who made you forget me
again. A dancer perhaps. A
little one with a yellow spin of hair
who plays a shiny silver flute.
the eastern sounds floating out
into your tiny emerald oasis.
She doesn´t partake of the pomegranates.
the big chunks of crusty bread. Doesn´t
laugh loudly. Flutters in your life
like a wish, wispy, tantalizing. The
tatooed wrists, the small
bangled feet making no sound.

(miriam, 2007)

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Diane, traduzida.

Aqui Sabrina Lopes e eu apresentamos nossa nova parceria, traduzindo o poema de Diane Wakoski que aparece em baixo, em postagem anterior, em inglês. O fôllego inicial é da Sabrina, eu entro como colaboradora. E aceitamos sugestões!


A sacerdotisa Medeia

Diane Wakoski

Ela está na Casa da Mãe Solteira em Pasadena,
a única menina que lê poesia. Ele escreve pra ela
do internato, ela decora os sonetos de Shakespeare
enquanto se exercita
no pátio poeirento
da Casa.


Magia alguma muda sua vida.
Ela ouve da Assistente Social que
ERROU porque
ainda ama J
não se arrepende de nada que fez por amor
não acredita que é má
não se culpa por desistir do bebê
crê que a vida seguirá seu percurso, assim como
sempre seguiu
não vai falar sobre seus erros.


É o mesmo que estar no deserto,
a vidinha na sala com chão de linóleo,
comendo com garotas estupradas pelo pai,
e garotas que foram pegas, mas ninguém sabe com quem,
e garotas de só 13 anos
e garotas que eram enfermeiras dormindo com doutores
e garotas que queriam esquecer de tudo e entrar pro exército,
garotas todas grávidas e envergonhadas e que sabiam estar vagando por algum deserto, mesmo que a maioria delas,
a maioria de nós, não soubesse
o nome das serpentes do deserto, nem de mariposas como a Dusty
Silverwing, nem
sobre as tocas estreitas das corujas, ou o aroma persistente da artemísia,
quando a noite estava limpa, limpa como a gente sabia que ainda era.


Então, se ela fosse Medeia, quando as cartas dele chegassem
falando como quem não quer nada de encontros com outras garotas, garotas
que não estavam grávidas,
decidiria que não resta mais escolha. Ela
o mataria, e mataria os filhos, e igual à Sacerdotisa
partiria para outro mundo, em sua carruagem tocada por dragões.


Ela desistiu do bebê. Sem remorso. Só os fracos têm
remorsos. Ela voou em sua carruagem com todo seu poder de dragona para Berkeley,
daí Nova York, então o Meio-Oeste, e finalmente esse Café
onde senta contando a lenda, não da tribo,
mas dela mesma, e a despeito do que os outros dizem, ela sabe
que a canção, que essa Lua Prateada da Irrequieta Dama da
Luz do Dragão canta,
é a lenda de pelo menos metade
da tribo.


Toque seu instrumento, Pistoleiro.
Aclame, Maximus.
Ascensão é queda, Dr. Paterson,
Oh, Amor, poeta caolho, aonde me leva agora? Ninguém
deveria
Estar na Casa da Mãe Solteira. Verdadeira Terra
Desolada.
Essas cartas, que não são cantos, que não são canções, vão para o Craig,
Cavaleiro da Luz do Colibri,
pro Jonathan que entende o mito da mulher que
"Dorme nas
Chamas"
Para o Homem de Aço, meu marido, que me ama nas noites em sua
invisível Capa
de Escuridão,
e para todas as mulheres, a outra metade da tribo,
pra Eva que se atreveu comer a maçã, eu escrevo essa carta
e eu também assino

Diane

A Dama da Luz.