(Versão traduzida da minha crônica "Eavesdropping" )
Ok, tudo bem, pode ser que a bisbilhotice seja um
pecado capital, mas quem pediu pro cara me obrigar a ouvir sua conversa privada
enquanto eu simplesmente cuidava da minha vida, apreciando uma exposição de
fotografias no saguão do Forum des Images em Les Halles? Claro que eu poderia ter bons motivos para
ficar escutando, por exemplo, para melhorar minha compreensão auditiva do francês, ou não perder uma
oportunidade fortuita de me munir de um valioso conhecimento cultural,
sabe, de ouvir um cara na meia idade com
todo o tipo de intelectual francês falando com uma ex-namorada. Afinal,
essas coisas sempre tem algo de, bom,
vamos dizer, antológico. Talvez,
ontológico. Mas preciso admitir que o
que realmente chamou minha atenção foi que o belo espécime me lembrava bastante
de alguém que eu tive a oportunidade infeliz de conhecer num momento da
vida que errado, sempre seria. Ou talvez fosse um compósito de dois mais ou
menos parecidos. Ora, para o propósito
deste relato, vou batizá-lo com o nome "Gérard'. Ou pensando bem, vou chamá-lo de Piotr. Porque não tenho 100% de certeza dele ser
francês. Por outro lado, o que posso
dizer com absoluta certeza é que a Núria, com quem ele falava, de modo algum
era francesa. Porque o Piotr ficava
perguntando para ela, em francês, se ela
estava entendendo, e pior ainda, naquele duplo sentido, tipo, 'Está me
entendendo a língua que falo? E está se
tocando?', intercalando frases em inglês com um sotaque que agora sim eu podia
dizer tinha mais do Leste Europeu do que da Franca, só para garantir que a
Núria não perdesse algum nuance crítico ... A estas alturas, eu estava
totalmente cativada, me esforçando para caramba, para entender todinho em francês e ainda
imaginar o que a sujeita que estava do outro lado da linha lhe respondia. Ah,
por sinal, sabia que o nome dela era Núria, porque ele a chamou assim
repetidamente, mas só após ter chamado ela pelo nome, "Natalya", sem querer, que eu já estava sabendo que era
o nome da namorada atual, com quem ele
morava, pois ele tinha explicado tudo isso muito lenta e pedagogicamente à
coitada da Núria, que com certeza já sacava que suas esperanças de voltar com o
Piotr tinham sumido como a fumaça de todos os cigarros de todos os pátios dos
bares de Paris. A tensão que permeava o
saguão elevava-se, o Piotr andando nervosamente de um lado para outro, bufando
e se segurando para não perder as estribeiras, tanto que eu tive que parar de
olhar para as fotografias que o Christian Póveda fez dos membros do gangue Los Mara de El Salvador (e que finalmente lhe
custaram sua vida) e só ficar aí quieta absorvendo o cena. Pior ainda, após ter passado uma semana
fazendo reflexões obrigatórias sobre o patriarcado global e a triste realidade
dessa frase brasileira, Só mudam de endereço, eu com certeza estava com um presunçoso
sorriso no rosto, de quem acha que já sabe, que já viu tudo. Ou peraí. Pode realmente ser que eu tenha descoberto
uma diferença, sobre esse assunto de quem 'só moram em casas diferentes',
sabe? Veja, não consigo realmente
imaginar a pessoa ou pessoas que esse cara fez lembrar andando desse
jeito, trotando e bufando ao redor da
sala; mais provavelmente, eles estariam sentados, com um meio sorriso de malandrinho, quem sabe
até orgulhosos de si mesmos, enquanto
apreciavam mentalmente os despojos espalhados por sobre a paisagem de
Conquistas passadas. Talvez até soltando algum comentário ambíguo, sedutor aqui
e ali para fazer a coitada da Núria
pensar que ele poderia, quem sabe, eventualmente, se cansar de Natalya (então
por que não manter uma pequena centelha de esperança viva, né, Nuria?) Mas Piotr, aparentemente, estava apenas irritado e estressado. Enquanto segurava entre grossos dedos o
cigarro que logo sairia para fumar,
informava a essa chata da Núria ( quem eu já deduzia ser uma dessas meio
viciadas no sofrimento amoroso) que ela
era bem-vinda a ficar em sua casa, se
ela na sua viagem iminente passasse por Paris; mas é claro, ele estava vivendo
com Natalya e ela teria - pois a vida é assim! - teria
que estar disposta a dormir no sofá.
Grata a Takeshi Ishihara pela revisão e sugestões.
Continua?
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