Elas povoam o bairro, estas mulheres de idades diversas,
estilos de vestir que variam desde vestes que remetem à discreta 'boa moça' a quase
desleixadas; na 'média', estão as de calça
de couro sintético apertado com detalhezinho aberto nas costuras, ou vestido de corte simples, super salto, ou um
shortzinho com meia calça preta por baixo que se faz acompanhar por sapatilha,
ou por um tênis bem limpinho e vermelho.
Decote pouco, mas a maquiagem, isso sim, nunca falta... as camadas que
embranquecem ou escondem os sinais do tempo, ressaltam os olhos amendoados, as
bocas da cor de sorrisos infinitos, bem pintadas, o detalhe perfeito, como as sobrancelhas.
Estão sempre na rua, 24/7, mas há dias e horas que a
confluência é maior. Se por exemplo saio cedo de manhã, sempre há algumas que
estão ocupando o dia bem antes do que eu; se volto sozinha após ter pego o
último metrô numa sexta ou sábado, posso escolher a rua menos transitada para
chegar em casa, sua presença fornecendo um sossego para quem definitivamente não
tem costume de sentir-se bem andando por las
calles solitárias de uma cidade
grande, de qualquer cidade. Mas no
domingo, dia que costumo sair apenas no final da manhã, já estão elas,
enfeitando o caminho que me conduz até o bulevar e além, quase se parecendo com
moças e senhoras curitibanas rumo à alguma
igreja evangélica dessas mais 'moderninhas' e elegantes, como as de Juvevê ou
Centro Cívico. Essa pouco barulhenta força de trabalho ( ou de mercado) aumenta
sensivelmente aos domingos à tarde, um verdadeiro ferver de moças e mulheres, e
claro, de homens que não estão en famille, que não foram ao cinema ou ao parque e nem
sequer ao bar com seus compas. Mas a 'clientela' ainda parece
comparativamente escassa. Tampouco
consigo identificar padrão algum em eles: os vejo de idades diversas, mais brancos,
não asiáticos - vi uma vez uma moça recusar ficar com um jovem negro- alguns
jovens, outros bem carecas, barrigudos, beirando sua 'melhor idade' que talvez
os deixe solitários e inoperantes. Bem como no livro Memórias ... de Garcia Marquez.
Por vezes sinto que as mulheres me olham com reconhecimento, pois já são dois meses que moro neste
bairro, e devem ter percebido que observo, embora tenha em grande parte
abandonado meu desejo de fotografá-las. Mas o olhar inseguro, suspeito, que
sentia vir delas sempre que eu descia para a rua com a máquina na mão, pouco a pouco parece dissipar. Me conhecem:
um esboço de sorriso, um bonjour ocasional,
já que não estamos nessa de 'eu finjo que não te vejo', até o sobressalto um
dia que saí rapidamente para a rua de havaianas e com as unhas do pé bem feiinhas como
a brasileira que não sou. Já faz um tempo que começo a reconhecer algumas,
como uma magrinha que quase sempre usa uma calça cor ferrugem, tênis, o cabelo
amarrado, óculos de marca, e parece ter alguma função de agenciadora: falando alto
em chinês com as outras - geralmente com sorriso e alguma vez com cara de braba
- e com celular na mão, conversando simultaneamente com alguém que está do
outro lado da linha e com las chicas
que estão ao lado dela, na rua. Mas
algumas vezes vi ela com saínha curta, salto alto, encostada num muro,
esperando igual as outras.
Suponho que algumas conversam com seus clientes pelo
celular. Eu as ouço sempre falando em
chinês, ou em alguma outra língua igualmente indecifrável para mim, mas principalmente, apoiadas em algum
muro, aguardando o que parecem ser as
raras vezes que alguém aproxima para negociar programa. O vejo acontecer de vez
em quando: o cara chega, identifica a
moça ou a mulher, conversam, chegam a um acordo, e daí ela se manda, cabeça erguida, bem na
frente, eles sempre atrás, a uns 100 metros de distância, embora com um andar
bem direcionado que enganar muito não deve.
Para algum lugar que não identifico: umas vezes, vi eles descer a escada
do metrô, e outras, virar na esquina e sumir por aí.
Se pudesse, eu puxaria o papo com essas mulheres. Como isso não é possível, tento me concentrar,
captar qualquer coisa que seus gestos, tons de voz, sua discreta linguagem
corporal possa me dizer. Parece que
entre elas, rola amizade, rola companheirismo.
Não sei, mas as vejo todos os dias, rindo juntas, fofocando talvez, e as expressões de ternura,
como uma que abraçava a outra, encostava a cabeça no peito dela, enquanto
esperavam, esperavam. O que sentem? As vezes, penso que vejo o medo, o tédio, a
dor, como uma, mais velha, que vi várias vezes sentada de lado de fora de um
dos restaurantinhos populares do bairro - há uma grande clientela 'ocidental' que o
frequenta, as mesas sempre lotadas para o almoço e jantar, a pesar do ambiente
escuro e pobre do interior- a cabeça
apoiada nas mão, para abaixo, os longos cabelos tingidos jogados para frente.
Já li sobre as máfias que agem em torno delas, embora uma
outra fonte argumente que uma boa parte delas trabalha 'como autônomas', e que
por isso ainda conseguem enviar dinheiro para suas famílias na China - que
podem ou não saber de onde vem os proventos.
Também ouvi dizer que trazem, em seus olhares desconfiados ou tristes, histórias
de uma vida outra, de ter alguma vez tido outro tipo de emprego, de ter
estudado. Não consigo imaginar como era
sua vida antes - em Dongbei (Manchuria)
talvez, no nordeste da China, uma região que da qual se diz que teve a sorte ou
o azar de 'industrializar-se antes de outras regiões do país- , e se foram filhos
ou netos que deixaram atrás, ou apenas
algum tipo de anonimato diferente deste,
onde há uma oferta aparentemente muito, muito maior do que a demanda. ( Que
também pode estar oculta, por punida...)
Seus conterrâneos de sexo masculino têm outro destino,
sentados nos bancos do boulevard, ou aglomerados perto da escada do metrô,
conversando, por vezes rindo, envelhecendo, sem nada para vender. Tento imaginar eles na rua - não só eles, os chineses, senão qualquer eles, de idades e cores e corpos
diferentes, mas não passa de uma imagem cômica, deprimente, que não convence
ninguém, pois a arte que as chinesas apreenderam é um destino que se conjuga
apenas no feminino, e no triste ofício de esperar, 24/07
nas ruas sujas e degradadas de Belleville, com todo o paradoxo contido num nome
que vem de muito antes quando ninguém imaginava elas, um dia, por aqui.
Referências:
http://ouigour.over-blog.com/pages/Les_prostituees_chinoises_a_Paris-307287.html
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