sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Belleville


In Belleville, today
will be another scorcher.
The  Chinese hookers are out
early, even before the steam rises,
the girls throwing water on each other
laughing as if it were a beach scene
as if life were as simple as 
vacances d'août   waves lapping the feet
of happy couples at sunset

around the corner, restôs still closed
but after the last long hot weekend
kids will be back to classes, women
walking their children to and fro
the safety of routine in peacetime,
 food on the table, minimums.
maximums.

on my block: commerce and the trade
that never closed,  a whir of sewing machines.
the women and their lone male companion
who spent the hot months making the red
dresses I spy from the window go on
as if oblivious to change and chain,
 happy perhaps for something
they have been spared

- miriam

terça-feira, 26 de julho de 2016

As chinesas

Elas povoam o bairro, estas mulheres de idades diversas, estilos de vestir que variam desde vestes que remetem à discreta 'boa moça' a quase desleixadas; na 'média', estão as  de calça de couro sintético apertado com detalhezinho aberto nas costuras,  ou vestido de corte simples, super salto, ou um shortzinho com meia calça preta por baixo que se faz acompanhar por sapatilha, ou por um tênis bem limpinho e vermelho.  Decote pouco, mas a maquiagem, isso sim, nunca falta... as camadas que embranquecem ou escondem os sinais do tempo, ressaltam os olhos amendoados, as bocas da cor de sorrisos infinitos, bem pintadas, o detalhe perfeito, como as sobrancelhas.

Estão sempre na rua, 24/7, mas há dias e horas que a confluência é maior. Se por exemplo saio cedo de manhã, sempre há algumas que estão ocupando o dia bem antes do que eu; se volto sozinha após ter pego o último metrô numa sexta ou sábado, posso escolher a rua menos transitada para chegar em casa, sua presença fornecendo um sossego para quem definitivamente não tem costume de sentir-se bem andando por las calles solitárias de uma cidade grande, de qualquer cidade.  Mas no domingo, dia que costumo sair apenas no final da manhã, já estão elas, enfeitando o caminho que me conduz até o bulevar e além, quase se parecendo com  moças e senhoras curitibanas rumo à alguma igreja evangélica dessas mais 'moderninhas' e elegantes, como as de Juvevê ou Centro Cívico. Essa pouco barulhenta força de trabalho ( ou de mercado) aumenta sensivelmente aos domingos à tarde, um verdadeiro ferver de moças e mulheres, e claro,  de homens que não estão en famille,   que não foram ao cinema ou ao parque e nem sequer ao bar com seus compas.  Mas a 'clientela' ainda parece comparativamente escassa.  Tampouco consigo identificar padrão algum em eles: os vejo de idades diversas, mais brancos, não asiáticos - vi uma vez uma moça recusar ficar com um jovem negro- alguns jovens, outros bem carecas, barrigudos, beirando sua 'melhor idade' que talvez os deixe solitários e inoperantes. Bem como no livro Memórias ... de Garcia Marquez.  

Por vezes sinto que as mulheres me olham com reconhecimento, pois  já são dois meses que moro neste bairro, e devem ter percebido que observo, embora tenha em grande parte abandonado meu desejo de fotografá-las. Mas o olhar inseguro, suspeito, que sentia vir delas sempre que eu descia para a rua com a máquina na mão,  pouco a pouco parece dissipar.  Me conhecem: um esboço de sorriso,  um  bonjour ocasional, já que não estamos nessa de 'eu finjo que não te vejo', até o sobressalto um dia que saí rapidamente para a rua de havaianas e com as unhas do pé bem feiinhas como a brasileira que não sou. Já faz um tempo que começo a reconhecer algumas, como uma magrinha que quase sempre usa uma calça cor ferrugem, tênis, o cabelo amarrado, óculos de marca, e parece ter alguma função de agenciadora: falando alto em chinês com as outras - geralmente com sorriso e alguma vez com cara de braba - e com celular na mão, conversando simultaneamente com alguém que está do outro lado da linha e com las chicas que estão ao lado dela, na rua.  Mas algumas vezes vi ela com saínha curta, salto alto, encostada num muro, esperando igual as outras.

Suponho que algumas conversam com seus clientes pelo celular.  Eu as ouço sempre falando em chinês, ou em alguma outra língua igualmente indecifrável para mim,  mas principalmente, apoiadas em algum muro,  aguardando o que parecem ser as raras vezes que alguém aproxima para negociar programa. O vejo acontecer de vez em quando:  o cara chega, identifica a moça ou a mulher, conversam, chegam a um acordo,  e daí ela se manda, cabeça erguida, bem na frente, eles sempre atrás, a uns 100 metros de distância, embora com um andar bem direcionado que enganar muito não deve.  Para algum lugar que não identifico: umas vezes, vi eles descer a escada do metrô, e outras, virar na esquina e sumir por aí.

Se pudesse, eu puxaria o papo com essas mulheres.  Como isso não é possível, tento me concentrar, captar qualquer coisa que seus gestos, tons de voz, sua discreta linguagem corporal possa me dizer.  Parece que entre elas, rola amizade, rola companheirismo.  Não sei, mas as vejo todos os dias, rindo juntas,  fofocando talvez, e as expressões de ternura, como uma que abraçava a outra, encostava a cabeça no peito dela, enquanto esperavam, esperavam. O que sentem? As vezes, penso que vejo o medo, o tédio, a dor, como uma, mais velha, que vi várias vezes sentada de lado de fora de um dos restaurantinhos populares do bairro - há uma grande clientela 'ocidental' que o frequenta, as mesas sempre lotadas para o almoço e jantar, a pesar do ambiente escuro e pobre do interior-  a cabeça apoiada nas mão, para abaixo, os longos cabelos tingidos jogados para frente.

Já li sobre as máfias que agem em torno delas, embora uma outra fonte argumente que uma boa parte delas trabalha 'como autônomas', e que por isso ainda conseguem enviar dinheiro para suas famílias na China - que podem ou não saber de onde vem os proventos.  Também ouvi dizer que trazem, em seus olhares desconfiados ou tristes, histórias de uma vida outra, de ter alguma vez tido outro tipo de emprego, de ter estudado.  Não consigo imaginar como era sua vida antes -  em Dongbei (Manchuria) talvez, no nordeste da China, uma região que da qual se diz que teve a sorte ou o azar de 'industrializar-se antes de outras regiões do país- , e se foram filhos ou netos que deixaram atrás,  ou apenas algum tipo de anonimato diferente  deste, onde há uma oferta aparentemente muito, muito maior do que a demanda. ( Que também pode estar oculta,  por punida...)

Seus conterrâneos de sexo masculino têm outro destino, sentados nos bancos do boulevard, ou aglomerados perto da escada do metrô, conversando, por vezes rindo, envelhecendo, sem nada para vender.  Tento imaginar eles na rua - não só eles, os chineses, senão qualquer eles, de idades e cores e corpos diferentes, mas não passa de uma imagem cômica, deprimente, que não convence ninguém, pois a arte que as chinesas apreenderam é um destino que se conjuga apenas no feminino, e no triste ofício de esperar,   24/07 nas ruas sujas e degradadas de Belleville, com todo o paradoxo contido num nome que vem de muito antes quando ninguém imaginava elas, um dia, por aqui. 

Referências:
http://ouigour.over-blog.com/pages/Les_prostituees_chinoises_a_Paris-307287.html


Carta de Seybah Dagoma (deputada federal pela 5a circunscrição de Paris, Comissão de Assuntos Estrangeiros, data de 13 de julho de 2016.  Distribuída no bairro.

Imagens e texto:  Miriam Adelman

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Eavesdropping



Ok, so maybe eavesdropping is a capital sin, but  who told this guy to force me to hear his private conversation while I was minding my own business in the lobby of the Forum des Images at Les Halles?  Of course, I had some good reasons for listening, like improving my French or not wasting this fortuitous opportunity for cultural knowledge, you know, hearing  some middle-aged rather intellectual French type talking to an ex-girl friend.   And after all, these things can always turn out to be, well, antológicas. Oops.  Ontological.  But I have to admit that what really drew my attention was the fact that this lovely specimen reminded quite a bit of someone I had had the unfortunate opportunity to meet at the wrong moment in an earlier life... or maybe a hybrid of two of more or less the same sort.  Anyway, for my literary purposes here, I baptize him and he  becomes  Gérard.  Or maybe Piotr, just because I can´t be 100% sure that this guy was really a Frenchman.  What I do know, on the other hand, is that Nuria, who was on the other end of the line, was definitely not French.  Because Piotr kept asking her, in French, if she was getting it, and then throwing in heavily -accented English phrases  (the accent did sound a bit Eastern European to me, but by this time, just trying to keep up with the conversation on both ends required all my attention and imagination...) just to make sure she got him straight.  Oh, by the way, I know her name was Nuria because he called her that once, , but only after accidentally calling her Natalya, whom I had already learned was his current live -in girlfriend from South Africa.  He was really rubbing that one in on poor Nuria!  Oh, the  tension in the lobby was on the rise, with Piotr pacing back and forth and snorting impatiently so that I had to completely give up on looking at  Cristian Poveda's photos of Mara gang members from El Salvador (and that eventually cost Cristian his life) and just sit there and soak the whole scenario up.  After a whole week of compulsory reflections on global patriarchy and the sad truth in the good ole Brazilian expression,  Só mudam de endereço,  I most certainly had some smug  knew-it-all-along grin on my face.  Wait, on second thought, I may just  have discovered a difference - that is, on that ' they just live in different houses ' bit -  and maybe you can decide how crucial:  you see, I  can´t quite conjure the person or persons that this guy reminded of huffing and puffing and snorting around the room; more likely, they would be sitting back, smirking and proud of themselves,  surveying  the spoils strewn over the landscape  of past conquistas. Maybe even throwing in a sly, seductive remark here and there to make poor Nuria think that they might eventually tire of Natalya so why not just keep up a little spark of hope alive, Nuria? But Piotr, on the other hand, was just irritated and stressed, as he informed Nuria that she was welcome to stay at his place if she passed through Paris on her impending trip, but of course, he was living with Natalya and she would just have to, well, sleep on the couch. 

terça-feira, 24 de maio de 2016

What matters now



 A tree left standing in the 
jowls of the city. The long lost 
Judith floating from Venezuela
into my dream, whispering
 something that had slipped 
or faded like our sketchpad days, two 
teenage girls at the Brooklyn zoo, our 
braids pulled out from under red scarves,
 charcoal in hand, a stretch of horizon
and a tender courage to never
stop pushing

It came to that, to putting on paper:
the displaced lions, the caged bears,
and  forth from there to the city of men,
unrolling maps, charting some course,
incorrigible as humankind itself, relentless
as someone's dirty secret that in the
end is but a simple & reckless desire held
too far from the light of the heart

Will you believe me if i tell you
that one hour is better than none,
three days better than zero? Will
you believe in me?  You can ride
rail or elevator to the top
of the city, choose which open
hand to hold or close.  Survival
you see is a balancing act, & 
what matters now, to perfect
the art: the unshapely bodies
shining in some last moonlight,
bending under the sacrificed
treetops, a knowledge of all
that has come and gone, to 
curl within it, unfurl within it,
sin perder la ternura
jamás


-Miriam


domingo, 15 de maio de 2016

Um poema de Jennifer Tseng.

To the sea/Ao mar.

His life a lash on the horizon.
His eyes, two raindrops fallen at last to the sea,
have joined the others, the lost visions, lost waves.
Of all the dead, there is something in the sea,
if one could sip each drop discretely one would taste
prodigies riding on Ferris wheels, prisoners painting
estuaries in green, generals kneeling at the salt-stained
feet of peasants, women making ardent love to women.
Part of every drowned desire, its indestructible source,
appears in the form of a stranger willing to change us.
He had been striving for years, he died desiring
vexed to the end by strangers within, without.

Sua vida um cílio no horizonte.
Seus olhos, duas gotas de chuva que unidas finalmente ao mar,
se juntaram às outras, às visões perdidas, ondas perdidas.
De todos os mortos, há algo no mar,
se um pudesse sorver cada gota discretamente, sentiria o gosto
de prodígios montando a Roda Gigante, prisioneiros pintando
estuários de verde, generais de joelho aos pés manchados de sal
de camponeses, mulheres fazendo amor fogosamente
com outras mulheres.
Uma parte de cada desejo afogado, sua fonte indestrutível,
aparece na forma de um forasteiro que quer nos mudar.
Ele passou muitos anos buscando, morreu desejando,
conturbado até o final por forasteiros de dentro, de fora.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Crônica.

Laboratório.
                           

Nada como uma boa companhia.  Desta vez é o livro Blowout  da Denise no meu colo na sala de espera, o programa matinal da Ana Maria falando quase sozinho de tão alto que está a TV na parede, um zumbido para minha enxaqueca pós-impeachment.  Olho para as cadeiras de estofado azul, as pessoas com suas fichas e carteirinhas em mãos, claro, com seus smartphones tb e ninguém lê nem sequer a revista Veja (ainda bem) e de repente penso identificar outro iniciado ou melhor dito outro remanescente desta arte perdida de virar páginas e anotar nas margens, está parado com um livro azul em baixo do braço.  Mas quando tento lançar para ele meu mais aperfeiçoado olhar de cúmplice, ele gruda mais a vista na TV, na história que estão contando sobre Paulinho que perdeu a perna por causa de um câncer.  Contudo - é a voz da Ana que nos afirma - o Paulinho não se deixou derrotar, pois ele tem cérebro de vencedor.  Sempre teve.  A mãe, a professora, o velho coach de natação dele, todos nos confirmam, com detalhadas evidências.  E ele venceu. Todos podemos ter  cérebro de vencedor. É a especialista que repete, cheia de dicas:  o quê comer, a importância de correr ou andar de bici pelo menos três vezes por semana - e daí vem o mais importante -  the clincher! - que era algo assim como nunca deixar de acreditar em você mesmo e também um tanto nos outros, como o próprio Paulinho com a namorada que sempre o aceitou, no antes e no depois.  A Carolina.  Uma bela ragazza, para um belo rapaz com uma falta perdoável.  Volto para a Denise, mestra em mostrar como todas as perdas geram duas perspectivas possíveis: a do lamento puro, e a 'sempre pode ser pior', principalmente se a gente se comparar com os mais fodidos.  É a Denise que, neste tempos de pão e circo, e circo e circo e circo , vai e volta entre o marido perdido e as fábricas da Barbie nas Filipinas, as trabalhadoras magras e sobrininhas loiras, sempre elevando o nível do que me faz rir.  Do alto da parede, continuam mostrando o Paulinho, e tudo o que apreendeu a fazer com sua falta.  Até que de pronto, vem minha vez: estender o braço, fechar o punho, deixar a agulha fina desenterrar a veia que se esconde.  Os tantos tubos que vão se enchendo do produto do meu corpo-fábrica.  Vermelho.  Lindo.  Na saída, pego meu café cortesia da casa, a chave do carro, o livro.  Minha veia pulsa, uma leve dor de excesso contra uma artéria fina.  Prometo-me que vou me cuidar e que vai ser cada vez melhor: menos glúten, menos lactose, menos horas de insônia ou de roer as unhas pelo que não posso saber ou não posso ganhar.  Brinco, ando a passos confiantes, pela cor que vi, as páginas que li, como se com isso eu pudesse tudo:  contra as faltas, as perdas,  contra tudo aquilo que me reduz a mera  condição de quem a pesar de todas as dicas conselhos horas de biblioteca pode de repente se ver em apertos, perder o rumo ou simplesmente não mais saber discernir, o que é  para lembrar, o que não é para esquecer.

domingo, 1 de maio de 2016

Assia, Oran.

                                                                Imagem:  Miriam Adelman

Assia, Oran.

There are many ways to return to a homeland.
Smuggled bones.  A book you wrote about exile.
In the veil of night, to take up arms, or to
straddle a fence, or pick your way through
the boulders, on your belly toward an unwatched  
 border. A body awash on the seashore.  A covered face.
 A counterfeit heart.  Temporary silence.

To step off a  plane into 
  the arms of your love: that
  sounds more like the movies.
 And they may come for you
                 in the morning.

  

- Miriam

Mais um poema de Rachida Madani (Tangier, 1951)

  Você não veio ao mundo para ver os seus ossos embranquecerem nas águas brancas de um rio Bou-reg-reg nem para contemplar a sua som...