terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O corpo é meu! - Denise Duhamel

Vai uma nova versão/tradução, para fechar este primeiro ano do blog
"Juntando Palavras". Tradução minha, com revisão de Sabrina Lopes.
Como sempre, comentários e sugestões serão bem-vindos.


“Era-se um tempo em que a Barbie nem podia dobrar
os joelhos”, eu falo para minhas sobrinhas Kerri e Katie
que sentam na minha frente no chão da sala
desta América de colarinho azul e rosa. Estão abrochando as minúsculas
calças de courino
nas suas Barbies Roqueiras
e grandes guitarras pretas
sobre seus ossudos quadris de relâmpago. Katie me entrega
sua boneca porque precisa da minha ajuda
com os pequenos botões que serpenteiam nas costas
da blusinha tomara que caia da Barbie. “Minha primeira Barbie
nem podia mover a cintura”. Eu estou falando como alguém
que já vivesse o suficiente
para ver mudanças significativas. Minhas sobrinhas
estão de costas para a TV que parece estar sempre ligada,
onde eu estiver. E atrás de suas cabecinhas
loiras inocentes, Jessica Hahn
faz uma aparência-relâmpago num vídeo da MTV.
Ela roda como uma sexy bola de pinball ,
e tenta desesperadamente sair de uma jaula côncava.
“O corpo é meu”, recentemente ouvi ela dizer
numa entrevista matinal na TV. Ela começou
justificando suas fotos nuas na Playboy.
“O corpo é meu”, ela repete
como uma boneca Chatty Cathy
com um disco arranhado enfiado nas costas.
“O corpo é meu”, ela começava a responder
a toda e qualquer pergunta do entrevistador –
onde ela cresceu, se ainda vai à igreja.
“O corpo é meu?”
Ainda assim as palavras eram as mesmas,
mas quanto mais acusações, mais mudavam
suas inflexões. Jessica olhava para além
do set onde alguém lhe parecia estar dando
pistas. Meu namorado dava risada.
“Que tal pôr um pouco de convicção nisso, Jessica?”,
ele falava para a TV. Então, tentando estimular
mais a conversa, ele me dizia, “Olha, meu bem,
ela nem parece saber se o corpo é seu
ou não!” Ele tinha razão
mas sabia enquanto o colocava
que tinha escolhido as palavras erradas.
Eu tinha bebido muito café. Encontrei-me
defendendo Jessica energicamente,
culpando sua desorientação
como resposta a nossa sociedade misógina –
o deslocamento que todas as mulheres sentem
do seu eu corporal.
E depois com todas essas teorias que eu vinha lendo!
Ele foi trabalhar mais ou menos concordando
mas dizia também que o tinha deixado exaurido.
E agora minha irmã me culpa da mesma coisa
porque assinalo para Katie que ela está errada
ao pensar que só meninos devem sujar-se
e só meninas usarem brincos.
“As pessoas devem fazer qualquer coisa que desejarem”.
Discorro sobre minha amiga que usa capacete
quando vai ao trabalho onde mexe
com eletricidade igual seu pai.
Katie brinca com seus cadarços
e pede suquinho. Minha irmã diz,
“Deixe ela em paz. Nem entrou no primário ainda”.
Kerri, a maior, se concentra, tentando
passar um grande pente para humanos
no cabelo sintético cheio de gel
da boneca. Por tanta força que exige desemaranhá-lo
de repente, sem querer, sai a cabeça da Barbie,
e uma menor, sem rosto, suporte apenas,
emerge do pescoço. Por um instante
nós todas – dois pares de irmãs, com um
intervalo de vinte anos – compartimos a epifania
sobre Mattel: lavagem cerebral, pedaço de plástico
que nos diz quem Barbie é. Mas logo
o rosto de Kerri é todo pânico, como esperando um castigo.
As lágrimas despontam no canto dos seus olhos.
Faço um resgate rápido,
enfiando a cabecinha moldada
de novo no corpo, seus traços maleáveis
se distorcendo sob meu polegar. Apesar de boneca adulta,
sua moleira ainda está aberta. Sob a pressão
do meu toque, seu rosto esmaga, como alguém
que se olha na casa dos espelhos.
Mas ao soltá-la, ela imediatamente volta,
o sorrisinho educado, o nariz perfeito
e pronta para pôr tudo em seu lugar:
a Barbie pertence à América -
metade vítima, metade pequeno soldado
cor-de-rosa.

domingo, 20 de dezembro de 2009

"It´s my body" - Denise Duhamel.

[A nova tradução está quase pronta... por enquanto, posto em versão original]

“There was a time when Barbie couldn’t even
bend her knees,” I told my nieces Kerri and Katie
who sit before me on a living room floor
in blue and pink collar America.
They are strapping their Rock-n-Roll Barbies
into tiny leatherette pants
and big black guitars
with jagged lightning hips. Katie hands me
her doll because she needs help
with the tiny buttons that snake the back
of Barbie’s off-the-shoulder blouse. “My first Barbie
couldn´t even twist her waist”. I am talking
like a person who has lived long enough
to see significant change. My nieces
have their backs to the TV which seems always on,
wherever I am. And behind their blond
innocent heads, Jessica Hahn
makes a cameo appearance on an MTV video.
She rolls like a sexy pinball,
then tries to claw herself out of a concave cage.
“It’s my body”, I recently heard her say
on a morning talk show. She started
by defending her nude poses in Playboy.
“It’s my body”, she repeated
like a Chatty Cathy doll
with a skipping record stuck in her back.
“It’s my body,” she began to answer
her interviewer’s every inquiry –
where she grew up, if she still went to church.
“It’s my body?”
The words stayed the same,
but as more accusations came, her inflections
changed. Jessica looked beyond the studio set
where somebody seemed to be cueing her
that message. My lover was laughing.
“How about a little conviction there, Jessica?”,
he said to the TV. Then, trying to coax
more conversation, he addressed me, “Look,
honey, she doesn’t even seem to know if it’s her body
or not.” He was right,
but he knew as he brought it up,
it was the wrong thing to say.
I’d had too much coffee.
I found myself energetically defending Jessica,
blaming her disorientation
as a response to our misogynous society-
the dislocation all women feel
from their physical selves.
And then came the theories I’d been reading.
He left for work kind of agreeing
but also complaining that I’d made him exhausted.
And now my sister is blaming me for the same thing
because I am pointing out to Katie that she is mistaken
to think only boys should get dirty
and only girls should wear earrings.
“People should be able to do whatever they want.”
I lecture her about my friend who wears a hard hat
when she goes to her job and works
with electricity, just like her daddy.
Katie fiddles with her shoelaces
and asks for juice. My sister says,
“Give the kid a break. She’s only in kindergarten.”
Older Kerri is concentrating, trying
to get a big comb for humans
through her doll’s Moussed synthetic hair.
Because untangling the snarls needs so much force,
suddenly, accidentally, Barbie’s head pops off,
and a smaller one, a faceless socket,
emerges from her neck. For an instant
we all –two sets of sisters, our ages
twenty years apart – share a small epiphany
about Mattel: this brainwashed piece of plastic cerebrum
is underneath who Barbie is. But soon
Kerri’s face is all panic, like she will be punished.
The tears begin in the corner of her eyes.
I make a fast rescue attempt,
spearing Barbie’s molded head
back on her body, her malleable features distorting
under my thumb. Although a grown doll,
the soft spot at the top of her skull
still hasn’t closed. Under the pressure
of my touch, her face is squashed, someone
posing in a fun house mirror.
But the instant I let go, she snaps back
into a polite smile, her perfect nose
erect and ready to make everything
right: Barbie is America’s –
half victim, half little pink soldier.


- Denise Duhamel, from her book, Kinky.


Farmers’ market (w-i-p )

  Farmers’ market   Though the brown bags of organic rice dwindle and cost us um olho da cara       bananas are stacked in full corn...