terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Na rota: I-80 Westbound.


Na rota: I-80 Westbound.

Duas da manhã e após atravessar a metade do estado da Pennsylvania – colinas nevadas e temperaturas caindo de 38 (NYC) para 25° F - chegamos ao motelzinho de beira de estrada que, a pesar do seu nome soberbo, é definitivamente um recanto para a plebe. A jovem que trabalha na recepção, que não parece ter mais de 27 ou 28 anos, é loirinha quase ruiva, branquinha e sardenta, bem do tipo que na minha juventude apelidávamos inescrupulosamente de “all American”. Me atende com uma simpatia que atiça minha curiosidade: quem pode estar tão alegremente dispensando chaves a viajantes irritados de tantas horas na estrada gélida a estas horas? Puxo a conversa, com perguntas basiquinhas: se já atendeu muitos hospedes esta noite, se estamos perto de alguma cidade - ou talvez de um vilarejo dos Amish? - e como é trabalhar neste horário, em pleno inverno pensilvaniano. Coisas de socióloga que sempre esquece que está de férias, claro. A moça oferece informações sem estranhar minha curiosidade: chama-se Pat, é mãe de dois meninos e nem acha ruim seu horário de emprego – das 11:00 hrs às 7:00 da manhã, três ou quatro dias por semana – porque pode chegar em casa, preparar seus pequenos para o dia na escola e dormir enquanto assistem aula, que ela é daqui mesmo, que é uma pequena cidade no meio “do nada” mas grande o suficiente para ter uma agência pública de (des)emprego, onde trabalha seu pai. Que a crise é braba, que o motel dá um preço especial para pessoas que vêm para ficar mais tempo, “long term”, nas palavras dela. Como quem? Os trabalhadores da construção civil, por exemplo – a US$250, 00 por semana e com direito a um café da manhã (que, desde um ponto de vista “brasileiro” resulta pouco convincente). Que não gosta do Obama (mas não sabe dizer por que, já que “nem gosta de política”, só achava que “não dava para confiar nele”) Que ela mesma não gosta de viajar para longe e que nunca foi para nenhum lugar a não ser para o estado de Nebraska -out west -, onde mora sua cunhada, e que ela não gosta, porque tem que dirigir durante horas, enveredando por estradas sinuosas que a deixam tonta. Mas deve ser lindo para essas bandas, né? Eu pergunto, porque não conheço, mas adoraria conhecer. Inclusive porque tenho uma imagem do Nebraska do oeste, forjada nas paisagens românticas dos filmes e porque já me imagino a cavalo por trilhas que não sei bem se seriam de planície ou montanha ou ambas... Não, me disse ela, eu prefiro aqui, onde pego o carro, faço tudo que precisar. Onde não preciso que meu marido dirija, me disse.

Conversa curiosa para uma madrugada gélida, mas vejo que minha terra de fantasia está definitivamente fora da sua zona de conforto. (Eu que nestes tempos vinha refletindo tanto sobre o conceito. Sobre as zonas de conforto de cada um/a de nós. A do meu amigo. A minha... Zonas que encolhem ou que esticamos. Regiões construídas ou herdadas que definem uma parte do que somos, do que nos fazemos...)

No dia seguinte, nem custa tanto pular da cama num quarto que nem esquentou direito. Chego na recepção para entregar a chave, encontro-me com um jovem indiano, também simpático, que diz ser o dono do hotel (leia-se, a franquia). Ele me conta que é empresário do ramo do comércio internacional, me entrega seu cartão profissional onde leio, numa letra azul itálica, as palavras commodities trader. Me diz que daqui a uns tempos irá por primeiro vez para Rio de Janeiro, para vender o carvão das minas da Pennsylvania. Faz um elogio a si próprio e me sugere entrar no ramo, pois quem sabe no Brasil não estejam precisando destes “talentos”? Apenas dou uma risada e peço para ele algumas informações sobre as condições de estrada, pois desde cedo começou a nevasca que deixou nosso pequeno veículo alugado quase invisível. Será que ousaremos pegar estrada? Mas minha turma já está ansiosa, quer terminar a viagem e chegar “em casa” bem antes do ano novo. Novo ano vindo. Já nos lançamos à vida, à estrada, assim que os riscos fazem parte. Os membros mais novos do nosso grupo exigem. ( Embora os deste tipo, eu definitivamente preferiria evitar. ) Vamos. Vamos bem. Num ponto onde a neve fechou a estrada, fazemos um desvio pela rota rural paralela, encontrando “paisagens de cinema”: casinhas e casarões, todas de madeira, com varandas de tamanhos e formas diversas, quase enterradas sob os espessos cobertores brancos e os flocos que continuam caindo. Quase não dá para acreditar. Embora ainda tensa, estou feliz de estar aqui, nestes últimos momentos do ano, e nem penso mais no que virá. Afinal, será apenas mais um dia parecido com muitos outros. Afinal,  nos rituais do ano novo, com seus votos e resoluções, suas celebrações e pronunciamentos, o risco é sempre esperar que as coisas mudem mais do que podem. Pensando bem, o que eu sou mesmo é ...boa para o trabalho de cada dia