sábado, 14 de junho de 2014

ANTHEM/ HINO poema de Kendra DeColo


Anthem / Hino -  Kendra DeColo

                                                                   “I Heart Pussy”

Whoever believed these words
                   enough to carve each letter
                                         into the green paint

of a bench drizzled with leaves
                                     one autumn, must have loved too the heat
                                                               of the word

as it flushed from heart to finger,
                                    slipped through the throat like a koi
                                     in a corporate pond.

how you can say it sober on a clear morning
                                               and let the murk sprawl

open the inner eye, mouth
                     stunned with the church-musk
each cut and stroke
                       made holy with gush and ephemera.

He or she must have felt the word
       pierce the core of their lopsided heart
                       until it gleamed

in the gouged wood, must have
              stood on the bench like the president
                            of all the strip malls
of America, dressed in smoke
  and aftershave, wanting to shout:  
                   Praise the under-shimmer
and bisected vowel!  The world belongs to the panty-less 
                                  and  unshaved.

God bless the subwoofer and carnival
                          ride-hitching, the  jukebox
                                      junkies, five-and-dime
                                 store-thieving laureate
                                of all things counterfeit   
                                        and candescent.

He or she must have   
                    believed in a world where Pussy
                         is king, where all day Pussy

rides the subways of the heart
                  illuminating the anthems
                                             scrawled there

what is too precious
     to be said aloud,
                     what is so beautiful it’s a sin.


HINO

                                                  Eu Coração Xoxota”


Quem acreditou nestas palavras
                   o suficiente para gravar cada letra
                                         na tinta verde

de um banco chuviscado de folhas
                                     em algum outono, deve também ter amado o calor
                                                               da palavra

enquanto movia-se do coração ao dedo,
                                    deslizando-se na garganta como uma carpa
                                     num tanque corporativo.

 como pode dizê-la estando sóbrio numa manhã clara
                                               e deixar a opacidade espalhar-se

abrir o olho interior, boca
                     atordoada pelo almíscar de igreja
cada corte e movimento
                       tornando-se sacra pelo excesso e pelo efêmero.

Ele ou ela deve ter sentido a palavra
       furar o centro do seu torto coração
                       até que brilhasse

na madeira machucada, deve ter
              ficado em pé no banco como o presidente
                            de todos os shoppings de subúrbio
da América, vestido de fumaça
  e pós-barba, querendo gritar:
                   Louvados sejam a maquiagem brilhante
e a vogal bipartida!   O mundo pertence aos sem calcinha,
                                       aos que não fazem a barba

Deus abençoe o amplificador de som e o carnaval
                          a carona, os viciados no
                                 jukebox, o ilustre ladrão
                                 de mercearia que furta
                                todas as coisas falsificadas
                                        e incandescentes.

Ela ou ele deve ter
acreditado num mundo onde Xoxota
                         é rei, onde o dia todo Xoxota

passeia pelos trilhos do trem subterrâneo do coração
                  iluminando os hinos
                                             que ali pixaram

algo que é  tão precioso
que não pode ser dito em voz alta
                     algo que de tão belo, é pecado.

Tradução:  Miriam Adelman

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Quarta feira ao sol.




                                                                                                                          Imagem:  Miriam Adelman

Quarta feira ensolarada, após dias de chuvoso inverno curitibano.  Deve ser meu dia de sorte, penso eu – sendo exatamente este, o único que tinha livre, que tinha programado para botar as mãos às tarefas fotográficas.  Lá vou eu, um pouco receosa de pegar minha máquina – minha primeira Nikon, comprada com um tanto de sacrifício, junto com minhas primeiras lentes tão cuidadosamente escolhidas – em direção ao centro histórico da cidade, que apesar de tão mal falado (lugar de assaltos, assédios e todas aquelas coisas que a gente preferiria ignorar mas que fazem parte do nosso “normal” de grande cidade) até agora sempre me reservou boas surpresas. Mas estou um pouco cética.  Queria ter chance de fazer algo diferente, tipo ir para um terreiro de umbanda ou poder captar com minhas lentes - e minha mão de iniciante -  os rituais mágicos de alguma outra tribo.  Mas vou lá, àquilo que posso.
Na primeira quadra das minhas andanças, bem onde as fachadas começam a mudar para aquelas tentativas coloridas de preservar um tempo longínquo, passo na frente da loja de antiguidades. Passo uma parede recém pintada de ocre e branco, e olho, meio de relance, para um homem negro sentado a um lado da porta, vestindo colar de madeira e tocando, bem suavemente, um tambor.  Ele deve ter achado que sou turista – afinal, não estamos a poucos dias da Copa? – e sorri para mim, perguntando se preciso de alguma coisa, se pode me ajudar com “alguma informação?”

Me animo.
- Na verdade, eu queria lhe fazer uma fotografia!, lhe digo.

-  Quer? Tudo bem, pode então ...

Como eu  estou ainda na fase de me sentir meio idiota fazendo este tipo de solicitação (mas é melhor, com certeza, do que roubar imagem), me lanço às explicações. Tipo, “sabe, tô fazendo um curso de fotografia (que provavelmente se tornará minha melhor e eterna desculpa ) e preciso cumprir uma tarefa...” E daí faço umas fotos, posadas, bonitas – bom, talvez nem tanto, mas se dependesse só da vontade dele de ser fotografado, seriam belíssimas.  Ele e seu amigo uruguaio, dono da loja, puxam o papo comigo.  Devem ter percebido meu sotaque, que apesar dos meus 23 anos em terra brasileira continua me revelando.  E rola conversa, da boa.  Em certo momento, eu lhes comento,

- Sabem o que nosso professor de fotografia nos mandou fazer?  Um ensaio:  “Do sacro ao profano”...  Difícil, de certa maneira.  Porque eu tenho meu pensamento sobre isso.  Ou na verdade, nem sei exatamente o que seria 'o sacro' para mim...

-  Então-  diz o novo amigo - deixa eu pegar este cachecol e faço para vc... um turbante de africano!  Veio trabalhar o exu! Você sabe, na verdade, tudo é sagrado, tudo é profano. O profano é sacro. O sacro é profano...

-  É exatamente a isso que eu estava querendo chegar!

Filosofamos um pouco e ele me pede que eu lhe mando as fotos –' todos usamos Facebook, não é´?' – e eu lhe respondo que sim, claro, com prazer, mas que não espere muita coisa, pois eu sou apenas iniciante nesta história de máquina e imagem, mas enfim, vamos lá...  

A gente se despede, sigo meu rumo, que ao longo da tarde vai enredar pelo Museu de Arte Sacra, a porta fechada do Templo Hari Krishna, ruas.  Paro num  café e faço umas fotos da minha absolutamente mundana xícara, repleta com as absolutamente banais marcas de batom e  café nas bordas, e ainda assim vou procurando efeitos de luz com a mesa de vidro e as grandes janelas que há por trás dela.  Mas não gosto dos pobres resultados que espio no monitor da minha máquina.  Debato se vou comer uma tortinha de maça ou de banana e decido esperar chegar em casa, lembrando dos bolos que tinha comprado de manhã, e me lembrando que seria melhor  não ficar gastando à toa nessas saidinhas.  "Vamos, já deu", penso eu, " fiz fotos em vários lugares sacro-profanos e certeza vou achar entre todas elas algumas das quais não me envergonho.  Porque também tenho as que fiz uns dias atrás, no meio do mato..." Vou  voltando pro ao carro, entre frustrada e contente.  Paro para tirar uma última foto, uns jovens que se juntaram numa esquina, e bem nesse momento  uma mulher loira que parou o carro na esquina tira umas fotos deles,  vira para mim, me olha e me diz, sorrindo, “Uma foto da fotógrafa também!” Me sinto elogiada, mas por pouco não faço algum comentário para lhe desfazer a ilusão.  Mudo de ideia. Sorrio também para ela e lhe digo, “É, a gente se entende, né?”  O carro arranca e eu o puxo o papo com os jovens:  jovens viajantes latino-americanos que ocupam minutos de sinaleiro fechado para fazer seu ato cigano e juntar os trocos que precisam para continuar na estrada. As meninas são lindas e radiantes, os meninos também, e na luz de final de tarde, todo se cobre de uma estranha luminosidade, uma neblina clara e azulada.  Converso com eles em castelhano e lhes digo que os admiro, que são muito corajosos.  Vou andando de novo, lembrando do que pensei uns dias atrás, quando comecei a refletir sobre alguma concepção do sagrado que valesse para mim. E naquilo que tinha vindo à mente:  os laços humanas e a estrada, a natureza – o que resta dela- e os estranhas veredas do coração, quando mudam de rumo e nos pegam de surpresa.  Trocas inesperadas. E uma tarde como esta: momento sacro, se é que isto existe, tarde sacra, se é que pode.





Another morning poem






 Another morning poem.

It’s not so cold.
The horn-rimmed morning
                opens
                   abruptly,
  swings out  like a metal gate
  and belts out a song,
but it’s one i’d rather
 not hear.  The
 old green chevy
I’ve seen before is
     sitting outside,
its two front tires,  bloated toes
 intruding stubbornly
in my path.  Someone else
had a visitor. 

  
There might be a promise
       of winter sunshine,
slow in coming and not wanting to
part with the chill.  I could be
              Clarissa
throwing her shutters wide open
onto a day in life.
But not so.  My calendar
Is murky red, marked
   already
by other devices.