sexta-feira, 21 de agosto de 2009

The house of the heart - Diane Wakoski

Ontem, numa livraria de bairro aqui em Chicago (uma livraria local, das poucas que ainda existem hoje em dia que não são franquias de grandes cadeias como Borders ou Barnes & Noble) achei vários livros de Diane na seção de poesia. Comprei um- "Jason the Sailor" (1993) -exatamente um que ela escreve como "segundo volume" do " The Archaelogy of Movies and Books", composto por este mesmo e o livro "Medea the Sorceress", do qual temos feito várias traduções. A capa é muito linda, uma gravura num tom cinza azulado com motivos marinhos... uma estrela do mar, um peixe e uma concha, e que continua na contracapa com outra concha, uma serpente, outro peixe, um pássaro e a lua...o livro todo, de um papel cor creme e artesanal que dá vontade de segurar nas mãos, virando as páginas muito muito materialmente...

Por enquanto, o que tenho para oferecer é a versão de um poema de um livro mais antigo dela (Inside the Blood Factory, 1968), com características talvez mais próprias de uma outra fase da sua obra. As metáforas com algo que lembra a grande Sylvia. Será que estou certa?


A CASA DO CORAÇÃO

Meus sapatos são duas caixas
de camurça,
pisoteando os corredores até Nut,
do Egito,
dama da noite, alta, com finos dedos de pé
e o zodíaco na barriga.
Dentro da minha cabeça desliza uma serpente
por baixo da minha cama confortável; eu sonho
para compensar o cérebro vazio. O sol
nasce sobre pernas bambas, finas como
vagem nova,
e minha música é a mesma melodia triste.
a casa do coração
onde a música mora,
onde descansa de noite
na sua tigela de sangue morno;
a casa do coração que dá sempre
as boas-vindas aos visitantes
da Lua, e aos do Sol,
algumas vezes,
desde que tirem os sapatos.

Meus sapatos carregam meu peso
traduzindo meus ossos em palavras,
levando o sangue ao correio em envelopes
para enviar ao mundo. Afundo agora
com aroma de especiarias nas narinas,
com o coração embrulhado em seda para que
não murche
antes que a Verdade o pese na sua balança.
Meus sapatos me acompanharam todo o caminho,
minha viagem pelo reino dos besouros
- as larvas lambem o bolo dos meus dedos,
o bolo que eu dava para os patos a beira rio,
suas cabeças verdes brilhando sobre as palmas das minhas mãos
como sementes oleosas,
com seus bicos prontos para gravar suas palavras no meu coração que
poderia lhe dar um conteúdo sagrado e lhe ajudar
na balança da Verdade.
Meus sapatos com suas pontas quadradas e desengonçadas
seguram meus pés desengonçados. Já andaram,
nunca dançaram, andaram comigo para todo lugar.

Sol, entre na casa do meu coração.
Tire seus sapatos incendiados. Nem os deixe
tocar na entrada. Suas flamas extinguiriam-se
ainda antes de passar pela porta.

Lua, entre na casa do meu coração.
Tire seus sapatos. Bate na porta com o aro prateado.
Passe por cima da entrada como o fruto do lichee
rodando por minha garganta.
Entre no corredor escuro com uma vela, com uma luz
prateada, com uma gota de óleo de hortelã quente
na sua língua fresca. Venha, Lua. Entre. Mas seus sapatos prateados,
tem que deixá-los do lado de fora
da casa do meu coração.

sábado, 15 de agosto de 2009

five of staves

[Five of Staves (Wands): Young Men Fighting or Playing with Green Poles, by Diane Wakoski- do livro "Medea the Sorceress]

Este poema foi traduzido por Sabrina Lopes (lopessabrina@blogspot.com). Como vocês podem ver, estamos "acumulando" um bom material para nosso projeto, em andamento, de tradução e reflexão sobre a obra de duas poetas (por enquanto), as norteamericanas Wakoski e Cisneros.



O segredo
sempre foi
o que os homens acham
pra fazer
uns com os outros. Essa grande
maioria de momentos que, como o futebol
e certas micoses, e mineração
excluem mulheres.


Nós temos tão
pouco.
A taba
aonde ir
quando sangramos, e a lua nada
ou vai embora com a água dentre nossas
coxas


Polo aquático,
um esporte grande,
em meu colégio californiano,
o eleito dos riquinhos que moravam
com suas piscinas em the Heights
garotos
que dirigiam seus Fords novos
antes de entrar na faculdade, depois
do aniversário de dezesseis, garotos
que fechavam os olhos quando tocavam
a gente nos lugares molhados, todas
nós querendo ver suas mãos
saírem limpas de sangue. Mas os
lábios, sempre sangrentos.
disséssemos “Bah-bah-bah-
Bah-bah-bra-Ann” ou
my “Little Deuce Coupe”
bebêssemos cherry cokes
ou leite, poetas ou cinéfilas, andamos em nossas crinolinas engomadas
e blusas de lacinho indo mensalmente
para os quartos segregados, cheirando
a peixe sob a água de colônia.



Mas os garotos, eles se divertiam
quando estavam segregados;
quando ficavam juntos sozinhos
eles tocavam
– com piadas,
ou saudações
“Meu chapa”
como nunca fizemos;
eles falavam,
como ainda não podemos,
descobriam como o mundo gira,
como a gente,
é claro,
não.


E polo aquático, os garotos
batendo aquela bola grande e branca
na água verde-esmeralda
da piscina olímpica da FUHS,
Oh, eles sabiam até nossos segredos.
Que a lua que eles tinham lançado e espirrado e estapeado
na água era justo como aquela
empurrada dentre nossas coxas todo mês
- se éramos boas,
- se tínhamos sorte,
- se éramos espertas.


Oh, não me diga NUNCA
que as mulheres têm vidas secretas
ou tesouros
que ninguém fora outras mulheres
conhece.
Me diga,
ao invés,
que o segredo é,
sempre foi,
por que homens têm tanto prazer
na companhia uns dos outros, por que mulheres,
quando segregadas e juntas
de outras, só têm taba menstrual,
o velho, grosso sangue mensal
pra dividir?
ou o tabu oposto:
o clonezinho nosso
moldando dentro de nosso corpo,
seu rosto e forma a partir da lua,
que some então por nove meses ainda
mais
solitários.

Uma criança no lugar da mãe.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Sonho (despedida)

(Este é um dos dois ou três poemas que
escrevi diretamente em português:)


Sonhei teu corpo aberto.
folhagem de verão, grama imensa.
você voltava dos anos de sono, me
disse que estava pronto. e
a chuva que começava, lentos pingos
que segurava na língua. você ria,
risadas largas. o eco ia e
voltava, até cair a noite:
escuridão, lua, frio
repentino. meu sonho
se deslizando sobre teu peito
como córrego claro, como depois,
a calma.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

As novas gerações escrevem...

Tempo

A pedra da vida,
A pele do rosto,
A perda da pele.

E nem a pobre entalhada pedra,
Ao tempo,
Resiste.


Gabriel Adelman Cipolla

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A Poem for the Man who Drives the Sphinx and Makes All Ferrari Owners Weep with Envy.

Uma nova tradução de um poema de Diane Wakoski, ainda em versão
preliminar! (Do livro, "Waiting for the King of Spain",
Black Sparrow Press)

Poema para o Homem que Dirige un Esfinge e Faz Todos os Donos de
Ferrari Chorar de Inveja


Você, sempre excedendo a velocidade
correndo nas suas patas de felino
sobre as estradas do deserto.
Suas garotas
vestem casacos transparentes
feitos de gotas de chuva:
meigas e nuas, elas
somem
no deserto
e voltam com pó
de canela nos lábios
e tornozelos,
lhe enviam mensagens
dentro de sementes
de cardamomo com cheiro
da Arábia.

Estou aqui sentada
na minha adoração,
meu amor por mecânicos e condutores
de boas maquinas,
sabendo que os veículos antigos
são freqüentemente os mais elegantes,
me perguntando quantos vizinhos
belos & bizarros
descobrirei ao longo dos anos
habitando o deserto do Egito


Há muito tempo
que jogo o tarot
e monto nua no meu okapi
passando Tanzânia ao galope,
entrando nos bares dos operários
onde todos os amantes são poetas
e os diamantes traem seus donos,
onde a esperança é um tubarão do mar
e a tentação, um mito.


Este é um bilhete para lhe dar
as boas-vindas às vizinhanças,
para lhe dizer que é um prazer
vê-lo
indo a toda velocidade
conduzindo seu esfinge,
para lhe dizer
que espero que goste deste país,
para lhe oferecer um convite
para que a qualquer hora
que você passar por aqui,
venha tomar um drinque/
deste mar,
nossa poesia.

Um conto de Claudia Bório

Uma nova contribuição da escritora curitibana Claudia Bório:


Manorama


Manorama foi um nome inventado ou um nome que eu ouvi nas notícias. Manorama foi um nome inventado ou um nome que saltou para meus ouvidos, um nome que alguém falou, um nome que gritou chorando do meio da noite para o mundo. Manorama, morando à beira dos campos de arroz. Manorama, seus pés pisavam a lama dos arrozais, os caminhos em meio aos campos inundados. Manorama, à noite somente os mosquitos acariciavam seu rosto. Seu rosto, aos poucos, como pétalas de jasmim, deixava escorrer uma lágrima que secava sem ninguém perceber. Manorama, menina, panorama, o arroz na panela todos os dias. O arroz era sua incumbência diária. Manorama, um dia o arroz não ficou pronto a tempo como deveria. Manorama, um dia eu ouvi seu nome e sei que não foi imaginação. Se foi um sonho, todos devem me perdoar, pois sei que, em algum lugar, Manorama existiu. Manorama, fazedora de chapéu trançado, caminhando com os pés na lama dos campos de arroz, sentindo o perfume das frutas e olhando uma nuvem pesada de chuva sobre as montanhas distantes. Manorama sabendo que nunca, nunca deixaria os campos de arroz. Manorama, um dia, deixou de fazer o arroz na hora certa. Ela nunca sabia quando era a hora certa. Manorama não tinha relógio e às vezes se distraía olhando as borboletas sobre o campo de arroz. Manorama, suas mãos morenas, seus dedos sem enfeites, a panela, o arroz, o fogo no fogão de lenha. O cheiro de esterco dos campos de arroz, a umidade que subia do chão, o calor, o suor aos poucos descendo pela nuca. Um dia, um dia, Manorama deixou de fazer o arroz na hora certa. Um dia, um dia, gritou um pássaro em uma árvore, Manorama, não havia arroz pronto quando os homens voltaram do trabalho no campo. Voltaram, voltaram com fome, voltaram querendo sentir o cheiro do arroz cozinhando na panela e o fogão estava frio, o fogo quase apagado e não havia panela alguma. Um dia Manorama se distraiu e não cozinhou o arroz na hora certa. Um dia, um homem chegou do trabalho com fome. Manorama era tão ninguém, tão nada, apenas um mosquito acariciava seu rosto à noite, apenas a lama se preocupava com as solas de seus pés. As mãos de Manorama sabiam que lavar o arroz com água era a melhor carícia que elas jamais experimentariam. Mas um dia Manorama não fez o arroz na hora certa e ele a matou, por isso ele a matou, ele a matou com um golpe de seu facão. A cabeça de Manorama caiu rolando pela varanda e foi parar na beira de um campo de arroz, olhando para aquela muda pequena mas já carregando um cacho de arroz pesado, muito pesado, pesado demais para ela. Por isso tudo ele a matou, porque o arroz não estava cozido na panela, e Manorama nunca mais caminhou, Manorama nunca mais cantou na beira dos campos de arroz.


Homenagem a Manorama, menina assassinada na Índia porque não preparou o arroz do almoço (de acordo com uma notícia de jornal)

domingo, 2 de agosto de 2009

resgatando...

coisas escritas, de outros tempos.
Estes são de quando morava no México:

sin título

I.

Eran noches del más espeso silencio

noches que jugamos sobre un puente
suspendidos
entre enigma e encuentro
y nos arrojamos a la tempestad del mar
a guiar negros buques de piratas
hacia algún horizonte.

II.

he desbordado mi cauce
he recogido helechos e zarzamoras
con tus manos
has dejado entre mis cabellos
una hoja verde
una cáscara vacía

III.

hoy vuelvo hacia mi
y tu nombre irrumpe en mis labios
en mis ojos cuando averiguan la altura del sol
encuentro tus pies en mis zapatos
un destello tuyo brota en mi ventana
un aroma de tu piel ruboriza la ausencia
en las calles ando entre nuestras palabras
cada rostro desconocido me dice que existes
cada presencia me roza el vacío
y yo asumo
un cierto destino
de descubrirte
siempre
en un cuadro
una pileta de agua tranquila
un patio deshabitado
un canto lejano que vuelve.


Ocaso

los bosques están lejos.
aqui:
solamente luz de lámpara
y nuestras piernas dormidas.
sobre los sueños há crecido un moho espeso
como la telaraña que cubre el tragaluz
de nuestra casa.

nos conocemos desde otro invierno
menos herrumbroso que éste.
hoy, detrás de tus cuadros,
me escondes unos brazos que se han marchitado.
yo, cada noche,
recopilo pedazos de baladas tristes
y bailo para tu sombra.

hemos assistido al incendio de los senderos.

ahora, maletas vacías en las manos,
trepamos por un calendario de destierros,
por sus interminables escalinatas:
espacios blancos,
rayas negras,
como dos sonámbulos
arrastrándose por las calles
de una ciudad arrasada.

e estes...

escritos quando eu morava em NYC:


Lovers


they move into each other, pouring
from the separateness of their lives
into this brief burning, the way fire
melts all things together, leaves
nothing. the sea at the heels of
the city drums against silence,
the white line of the coast in
winter, abandon.

in the early evening, heat gone
from her thighs, she finds him
lost from her, moving off, the
distant streak of a dinghy
vanishing into salt fog. he
hears something stirring
in his past, something
that will make him need her
again. again, the long inching
toward their meeting.
a wisp of time.
the pale of the moon.
some other route out of or into the
darkness.


Michoacán


the hard hills of the sierra
nose up into blue and gray, bearing tracks
no one could count. the landscape swallows
time: here, women carry the earth, rub cloth
on stone, let the sweet smoke of corn out into
the air. there are clothes hung out, pencas,
adobe. here a girl-child grows, knowing
the brown paths into the mountain, one color
repeated in water and land. here, her breasts
ripen, as the sky gathers its rain clouds for
the season to come.