Uma nova contribuição da escritora curitibana Claudia Bório:
Manorama
Manorama foi um nome inventado ou um nome que eu ouvi nas notícias. Manorama foi um nome inventado ou um nome que saltou para meus ouvidos, um nome que alguém falou, um nome que gritou chorando do meio da noite para o mundo. Manorama, morando à beira dos campos de arroz. Manorama, seus pés pisavam a lama dos arrozais, os caminhos em meio aos campos inundados. Manorama, à noite somente os mosquitos acariciavam seu rosto. Seu rosto, aos poucos, como pétalas de jasmim, deixava escorrer uma lágrima que secava sem ninguém perceber. Manorama, menina, panorama, o arroz na panela todos os dias. O arroz era sua incumbência diária. Manorama, um dia o arroz não ficou pronto a tempo como deveria. Manorama, um dia eu ouvi seu nome e sei que não foi imaginação. Se foi um sonho, todos devem me perdoar, pois sei que, em algum lugar, Manorama existiu. Manorama, fazedora de chapéu trançado, caminhando com os pés na lama dos campos de arroz, sentindo o perfume das frutas e olhando uma nuvem pesada de chuva sobre as montanhas distantes. Manorama sabendo que nunca, nunca deixaria os campos de arroz. Manorama, um dia, deixou de fazer o arroz na hora certa. Ela nunca sabia quando era a hora certa. Manorama não tinha relógio e às vezes se distraía olhando as borboletas sobre o campo de arroz. Manorama, suas mãos morenas, seus dedos sem enfeites, a panela, o arroz, o fogo no fogão de lenha. O cheiro de esterco dos campos de arroz, a umidade que subia do chão, o calor, o suor aos poucos descendo pela nuca. Um dia, um dia, Manorama deixou de fazer o arroz na hora certa. Um dia, um dia, gritou um pássaro em uma árvore, Manorama, não havia arroz pronto quando os homens voltaram do trabalho no campo. Voltaram, voltaram com fome, voltaram querendo sentir o cheiro do arroz cozinhando na panela e o fogão estava frio, o fogo quase apagado e não havia panela alguma. Um dia Manorama se distraiu e não cozinhou o arroz na hora certa. Um dia, um homem chegou do trabalho com fome. Manorama era tão ninguém, tão nada, apenas um mosquito acariciava seu rosto à noite, apenas a lama se preocupava com as solas de seus pés. As mãos de Manorama sabiam que lavar o arroz com água era a melhor carícia que elas jamais experimentariam. Mas um dia Manorama não fez o arroz na hora certa e ele a matou, por isso ele a matou, ele a matou com um golpe de seu facão. A cabeça de Manorama caiu rolando pela varanda e foi parar na beira de um campo de arroz, olhando para aquela muda pequena mas já carregando um cacho de arroz pesado, muito pesado, pesado demais para ela. Por isso tudo ele a matou, porque o arroz não estava cozido na panela, e Manorama nunca mais caminhou, Manorama nunca mais cantou na beira dos campos de arroz.
Homenagem a Manorama, menina assassinada na Índia porque não preparou o arroz do almoço (de acordo com uma notícia de jornal)
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