sexta-feira, 27 de março de 2009

Nova tradução de poema de Sandra Cisneros






Bom, pessoal, eu continuo na tarefa - muito prazerosa!- de procurar formas de traduzir a voz da escritora e poeta chicana Sandra Cisneros ao português. Venho refletindo muito sobre a obra dela - eu já li seus dois romances, "The House on Mango Street" e "Caramelo", li também seu livro de contos "Woman Hollering Creek" e os dois livros de poesia dos que venho selecionando os poemas que traduzo. Penso logo escrever mais sobre ela como escritora, continuando um pouco o trabalho "teórico" que fiz no meu texto "Modernidade e Pós-modernidade em Vozes Femininas" (que aliás está agora disponível no livro que acaba de sair esta semana, organizado por meu colega da UFPR Adriano Codato, com o título 'Para viver no século XXI - os problemas da contemporaneidade' Editora SESC Paraná). Por agora, só digo que enquanto traduzia, sentia na voz dela, o que talvez sejam algumas influências... a grande Sylvia, e Bukowski "no feminino"...?? Natureza Morta com Batatas, Pérolas, Carne Crua, Lantejoulas, Gordura e Casco de Cavalo. [Still Life with Potatoes, Pearls, Raw Meat, Rhinestones, Lard and Horses’ Hooves. ] Para Franco Mondini Em espanhol é naturaleza muerta e de maneira alguma é vida. E certamente não é natural. Mas o quê é natural? Você e eu. Eu te compro um drinque. A uma mulher que não se comporta como mulher. A um homem que não se comporta como homem. A morte é natural, pelo menos em espanhol, creio. A vida? Fico na dúvida. Veja o exemplo da Contessa, quem nos seus tempos era divina e agora porta uma verruga do tamanho deste diamante. Então ragazzo, você é Veneza. A você. A Veneza. Não aquela de Casanova. mas a das pensões baratas, ao lado da rodoviária. Eu recomendo uma cama estreita manchada de sêmen, mijos e pena face à parede. As manchas, os detritos são românticos. Você é positivamente Pasolini. Dançando tango e fandango até a morte. Se deixarmos. Eu não deixo! Ninguém me supera, sou Piazzola. Dançarei o tango com você na minha calçinha fio dental de renda manchada com fluxo de primeiro dia e uma teta só pendurada do meu vestido como as cataratas do Niágara. Você falou 'duress' ou 'dress'? Vamos cantar um dueto de Puccini – eu gosto de La Traviesa. Serei teu macaco treinado. Serei lantejoula e pulseira. Serei Mae, Bette, Joan e Marlene para ti – Serei qualquer coisa que você pedir. Mas peça algo glamuroso. E que me faça rir. Outro? O que eu quero dizer, querido, é que nada há de romântico na fome para os famintos O que eu quero dizer é que o medo não é emocionante quando é você que tem medo. O que eu quero dizer é que a pobreza não é charmosa quando é a tua casa da qual não se pode escapar. A corrosão não é bela para os corroídos. O que é beleza? Batom num pênis. Um beijo numa ferida purulenta. Um salto agulha que pode perfurar um coração. Um tijolo atravessando o pára-brisas que quer dizer eu te amo. Uma mágoa que bate na porta. Olha, eu preciso te confessar, aqui não é Veneza nem Buenos Aires. Que vivan las perras. “Que me sirvan otro trago…” É San Antonio. O espelho não é uma feirinha. É um incêndio. E estes são os vestígios do que se pôde levar ou salvar. As pérolas? Comprei na loja Winn’s. Meu casaco de pele? Acrílico genuíno. Graças a deus aqui não é Berlin. Outro drinque? Barman, outra garrafa, mas- Ay caray e ah, meu deus!- O loirinho bonito não quer mais nos servir. Aos campos da morte! Aos campos da morte! Que grosso. Que vulgar. Beba até o fundo, meu docinho. Tenho a grana. E ele, não sabe quem nos somos? Que vivan los de abajo de los de abajo, los de rienda suelta, as bruxas, as mulheres, os perigosos, os bizarros. Eu conheço um bar onde nos pagarão os drinques se eu botar minha saia na cabeça e você entrar vestindo nada mais além do meu sutiã preto. [do livro Loose Woman., New York: Vintage, 1995] Versão em língua portuguesa: Miriam Adelman Revisão: Marcia Cavendish Wanderley.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Five of Staves - um poema de Diane Wakoski

Vou postar este poema de Diane Wakoski em versão original em língua inglesa. Por questões de linguagem e referências culturais, é muito difícil de traduzir (talvez a gente ainda tente). Mas gosto dele -muito forte!- como poema, e também me chamou muito a atenção por tratar - com tanta sagacidade e ironia - do tema da "homosociabilidade", que é até uma questão muito relevante para as pesquisas que minha orientanda Fernanda Moraes e eu andamos fazendo na sociologia (quem tiver curiosidade ao respeito, um texto nosso está no:http://www.uff.br/esportesociedade/pdf/es903.pdf )

5 of Staves (Wands):Young Men Fighting or Playing with Green Poles.


The secret
has always been
what men find
to do
with eachother. Those great
majority of moments which, like football
and jock itch, and mining
exclude women.

We have so
little.
The hut
where we go
when we’re bleeding, and the moon
is swimming or being washed from out between our
thighs.
Water polo,
a big sport,
at my Southern California high school,
favored by rich kids who lived in the
Heights with swimming pools
boys
who drove their new Fords when they were juniors
after their sixteenth birthday, boys
who closed their eyes when they touched
us in those wet places, all
of us hoping their hands
would not come away bloody. But the
lips always were.
whether we say “Bah-bah-bah-
Bah-bah-bra-Ann” or
my “Little Deuce Coupe”
whether we drank cherry cokes
or milk or wrote poetry or watched movies, we walked in our starched crinolines
and lacy blouses once a month to
segregated rooms, smelling like fish
under our deodorant.

But the boys, they had fun
when they were segregated;
when they were alone together
they touched
-- with jokes,
or greetings
“Hey Man”
as we never did;
they talked,
as we still cannot;
they found out how to run the world,
as,
of course,
we do not.

And water polo, those boys
hitting that big white ball around
in the green-like-emerald water
of the FUHS Olympic-sized pool,
Oh, they even knew our secrets.
That the moon they tapped and spun and slapped
around the water was just like the one
pushed out between our thighs each month
- if we were good,
- if we were lucky,
- if we were smart.

Oh, don´t tell me EVER
that women have secret lives
or treasures
that no one except other women
knows about.
Tell me,
instead,
that the secret is,
and always has been,
why
men find so much pleasure in each
other’s company; why women
when they are segregated and together with
each other, have only the menstrual hut,
the old, rusty, monthly blood
to share?
or its taboo opposite:
the little clone of ourselves
forming inside our bodies,
etching its face and shape on the moon,
which will then disappear for nine even lonelier
months.

A child to replace the mother.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Seis irmãos – um poema de Sandra Cisneros

[Título original: Six Brothers. Do livro: My wicked wicked ways.
Third Woman Press. 1987]

Seis Irmãos


No conto de Grimm, Os seis cisnes, a irmã mantém um silêncio de
seis anos e tece seis camisas de urtiga para romper o feitiço que
transformou seus irmãos em cisnes. Ela as tece todas, mas deixa de
fazer a manga esquerda da última camisa, e quando seus irmãos voltam a
ser homens, ao caçula lhe falta o braço esquerdo – no seu lugar,
está uma asa de cisne.




Em espanhol nosso sobrenome significa cisne.
Um grande passado – castelos talvez
ou uma cidade do Saara,
se bem mais provável
um sobrenome que grudou
num menino descalço
que tocava o rebanho poeirento
por uma estrada luminosa.

Nunca vamos saber.

Talvez soubessem
os tátaro-avós
mas família gosta de guardar silêncio
talvez com bons motivos
e nem precisamos olhar muito para atrás.
Há de parte de pai um primo
de segundo grau, mas de todas maneiras,
primo –
que deu um tiro em alguém, creio
que era na sua mulher.
E por outro lado, há
um irmão da mãe que deu
um tiro nele mesmo.

Depois somos nós –
sete maneiras de fazer um sobrenome
ou quebrá-lo.
Nosso pai tem tudo planejado:
o mais velho, você será médico,
o segundo, administrador,
você – ele encolhe os ombros –deveria
apresentar meteorologia no jornal ,
o próximo, músico,
atleta,
gênio,
e o caçula, bom,
você assumirá o negócio da família.

Vocês seis, uma equipe,
seguindo o plano mestre,
o movimento cadenciado da tradição.
Vivemos para o que um espera do outro.
Meus irmãos, como é difícil acompanhá-los.
Eu tenho em mim o sangue ruim, eu penso,
o tio demente, o pedaço de bala.

Peçam-me qualquer coisa.
Seis camisas de urtiga. Um voto de silêncio.
Eu cumprirei. Mas eu sempre submergida
na minha admiração terrenal .
Meus seis irmãos, ágeis, fortes.
Salvo você, pequeno de uma asa só,
que se atrapalha igual eu
para manter limpo o bom sobrenome.

Tradução: Miriam Adelman.

quinta-feira, 12 de março de 2009

There it will be springtime…

[um poema meu para hoje]

i.

between us, the freezing
roll of ocean waves.
a nordic winter.
fjords full of icy dreams.
whalers riding their tall ships
into a glacial fog.
the sea rocking harder,
months to the nearest coast.


ii.

but i can hear you breathing.
hear you prying your way
into my thoughts.
boats are coming to shore now
beneath some high pasture
where furry cows munch
on new clover,
paw through the last
thin layers of snow.
now waiting is only a brief season,
a gentle prelude,
a tethered pony standing
patient in the moonlight.
i think you can hear me.
the wind has settled.
it is warm here in this clearing
where crocuses open their mouths
to the spring.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Dois poemas de Yehuda Amichai

Duas novas traduções, de poemas do israelense Yehuda Amicha (1924-2000). Nossas versões foram elaboradas em cima das versões traduzidas do hebraico ao inglês por Chana Bloch e Stephen Mitchell (Selected Poetry of Yehuda Amichai, New York, Harper & Row) .


De tres ou quatro numa sala


De três ou quatro numa sala
há sempre um que aguarda ao lado da janela.
Ele deve estar vendo a maldade entre as espinhas
e os incêndios nas colinas.
E como pessoas que saíram de casa inteiras
são devolvidas no final da tarde como moedas pequenas.

De três ou quatro numa sala
há sempre um que aguarda ao lado da janela,
seus escuros cabelos por cima dos seus pensamentos.
E adiante dele, vozes que vagueiam sem mochila,
corações sem provisões, profecias sem água.
pedras grandes que são devolvidas
e permanecem seladas, como cartas que não têm
endereço, ninguém para recebê-las.


Poemas para uma mulher.

1.

Teu corpo é branco como areia
onde nunca brincou criança nenhuma.

Teus olhos são tristes e formosos
como imagens de flores num livro didático.

Teu cabelo solto,
como a fumaça do altar de Caim:

Preciso matar meu irmão.
Meu irmão precisa me matar.


2.

Todos os milagres da Bíblia e todas as lendas
aconteceram entre nós enquanto estávamos juntos.

Na calma colina de Deus
pudemos descansar um pouco.

O vento da matriz soprava para nós em todo lugar
Sempre tínhamos tempo.

3.

Minha vida é triste como o perambular
dos errantes.

Meus pensamentos são viúvas,
minhas chances não casarão nunca,
jamais.

Nossos amores vestem os uniformes dos órfãos
do orfanato.

As bolas de borracha voltam à suas mãos
após bater na parede.

O sol não volta.
Nós dois somos uma ilusão.

4.


A noite toda teus sapatos desabitados
uivavam ao lado da cama.

Tua mão direita alcança desde teu sonho
Teu cabelo estuda “noitês”
de um manual de vento
rasgado.

As cortinas que se movimentam:
embaixadoras de superpotências estrangeiras.

5.

Se você abrir teu casaco,
Terei que dar o dobro de amor.

Se você vestir o chapéu redondo e branco,
Terei que exagerar meu sangue.

Da sala onde você faz amor,
terão que tirar todos os moveis

todas as árvores, todas as montanhas, todos os oceanos.
O mundo é estreito demais.

6.


A lua, aferrolhada com uma corrente,
fica quietinha lá fora.
A lua, aprisionada nos galhos da oliveira
não consegue libertar-se.

A lua de esperanças roliças
roda entre as nuvens.


7.
Quando você sorri
As idéias serias se exaurem.

De noite as montanhas ficam quietas ao teu lado,
de manhã a areia te acompanha os passos até a praia.

Quando você me faz coisas agradáveis,
todas as indústrias pesadas encerram atividades.

8.


As montanhas têm vales
e eu tenho pensamentos.


Estendem -se até a neblina e até
a ausência de estradas.

Atrás da cidade portuária
impunham-se os mastros.

Atrás de mim começa Deus
com cordas e escadas,
com caixas e guinchos,
com sempre e para sempres.

A primavera nos encontrou;
todas as montanhas ao nosso redor
são pesos de pedra
para pesar o quanto amamos.


A grama afiada chorava aos prantos
no nosso esconderijo escuro,
a primavera nos encontrou.


versão: Miriam Adelman e Claudia Borio

sexta-feira, 6 de março de 2009

Trocando palavras...

Continuando nossos novos diálogos literários, posto hoje um poema do amigo e bloguiero "fn"
(e aproveito para lembrar mais uma vez ao pessoal todo, do "convite" que já fiz ...):

LIVRES, LEVES, LOUCAS
fn

Palavras abandonam minha boca
e alcançam teus ouvidos.
Dali tomam rumos incertos,
desconhecidos.
Não pense com elas,
embora já te pertençam.
Deixe-as fluir,
como qualquer coisa
que não se imagina conter.
Palavras soltas, indomáveis,
fortes ou suaves,
que não medimos as consequências
antes de libertar.
Percorrem o corpo e a mente,
como o sangue a correr
duvidoso
por baixo de tão alva pele.
Solte as suas,
talvez
em forma de súplica, gemido
ou falta de ar.
Também não pense duas vezes
antes de agarrar as asas
e partir
só pra ver no que vai dar.
Palavras, às vezes voam
como aviões de guerra
a transportar sentimentos feridos.
Palavras não são donas de nada,
mas uma vez proferidas
têm a força
de fecundar ou destruir
o futuro incerto na parede.

segunda-feira, 2 de março de 2009

mais um...

meu, sem traduzir...


What’s left

i.

women and men, the
ceaseless battle. i saw you there
on the horizon where
the dancing was meant
to stop. you followed me
into my cave, around the
lime green of the stones
and the sleeping rattlers.
for the millionth time, the
charms failed: running
from you, turning toward
your absence.

ii.

hearts, eyes, tendons. i
have spent all on this long
hike against the wind. now
i am falling downhill again,
rolling, tumbling.
love is a dry bone. love is
your finger against my lips
silencing me.