Na rota: I-80
Westbound.
Duas da manhã e após
atravessar a metade do estado da Pennsylvania – colinas nevadas e
temperaturas caindo de 38 (NYC) para 25° F - chegamos ao motelzinho
de beira de estrada que, a pesar do seu nome soberbo, é
definitivamente um recanto para a plebe. A jovem que trabalha na
recepção, que não parece ter mais de 27 ou 28 anos, é loirinha
quase ruiva, branquinha e sardenta, bem do tipo que na minha
juventude apelidávamos inescrupulosamente de “all American”. Me
atende com uma simpatia que atiça minha curiosidade: quem pode
estar tão alegremente dispensando chaves a viajantes irritados de
tantas horas na estrada gélida a estas horas? Puxo a conversa, com
perguntas basiquinhas: se já atendeu muitos hospedes esta noite,
se estamos perto de alguma cidade - ou talvez de um vilarejo dos
Amish? - e como é trabalhar neste horário, em pleno inverno
pensilvaniano. Coisas de socióloga que sempre esquece que está
de férias, claro. A moça oferece informações sem estranhar minha
curiosidade: chama-se Pat, é mãe de dois meninos e nem acha ruim
seu horário de emprego – das 11:00 hrs às 7:00 da manhã, três
ou quatro dias por semana – porque pode chegar em casa, preparar
seus pequenos para o dia na escola e dormir enquanto assistem aula,
que ela é daqui mesmo, que é uma pequena cidade no meio “do nada”
mas grande o suficiente para ter uma agência pública de
(des)emprego, onde trabalha seu pai. Que a crise é braba, que o
motel dá um preço especial para pessoas que vêm para ficar mais
tempo, “long term”, nas palavras dela. Como quem? Os
trabalhadores da construção civil, por exemplo – a US$250, 00 por
semana e
com direito a um café da
manhã (que, desde um ponto
de vista “brasileiro” resulta pouco convincente). Que
não gosta do Obama (mas não sabe dizer por que, já que “nem
gosta de política”, só achava que “não dava para confiar
nele”) Que ela mesma não gosta de viajar para longe e que nunca
foi para nenhum lugar a não ser para o estado de Nebraska -out
west -, onde mora sua cunhada, e que ela não gosta, porque tem
que dirigir durante horas, enveredando por estradas sinuosas que a
deixam tonta. Mas deve ser lindo para essas bandas, né? Eu
pergunto, porque não conheço, mas adoraria conhecer. Inclusive
porque tenho uma imagem do
Nebraska do
oeste, forjada nas paisagens românticas dos filmes e
porque
já me imagino a cavalo por trilhas que não sei bem se seriam de
planície ou montanha ou
ambas... Não, me disse ela,
eu prefiro aqui, onde pego o carro, faço tudo que precisar. Onde
não preciso que meu marido dirija, me
disse.
Conversa curiosa para
uma madrugada gélida, mas vejo que minha terra de fantasia está
definitivamente fora da sua zona de conforto. (Eu que nestes tempos
vinha refletindo tanto sobre o conceito. Sobre as zonas de conforto
de cada um/a de nós. A do meu amigo. A minha... Zonas que encolhem
ou que esticamos. Regiões construídas ou herdadas que definem uma
parte do que somos, do que nos fazemos...)
No dia seguinte, nem
custa tanto pular da cama num quarto que nem esquentou direito.
Chego na recepção para entregar a chave, encontro-me com um
jovem indiano, também simpático, que diz ser o dono do hotel
(leia-se, a franquia). Ele me conta que é empresário do ramo do
comércio internacional, me entrega seu cartão profissional onde
leio, numa letra azul itálica, as palavras commodities trader.
Me diz que daqui a uns
tempos irá por primeiro vez para Rio de Janeiro, para vender o
carvão das minas da Pennsylvania. Faz um elogio a si próprio e me
sugere entrar no ramo, pois quem sabe no Brasil não estejam
precisando destes “talentos”? Apenas dou uma risada e peço
para ele algumas informações sobre as condições de estrada, pois
desde cedo começou a nevasca que deixou nosso pequeno veículo
alugado quase invisível. Será que ousaremos pegar estrada? Mas
minha turma já está ansiosa, quer terminar a viagem e chegar “em
casa” bem antes do ano novo. Novo ano vindo. Já nos lançamos à
vida, à estrada, assim que os riscos fazem parte. Os membros mais
novos do nosso grupo exigem. ( Embora os deste tipo, eu
definitivamente preferiria evitar. ) Vamos. Vamos bem. Num ponto
onde a neve fechou a estrada, fazemos um desvio pela rota rural
paralela, encontrando “paisagens de cinema”: casinhas e
casarões, todas de madeira, com varandas de tamanhos e formas
diversas, quase enterradas sob os espessos cobertores brancos e os
flocos que continuam caindo. Quase não dá para acreditar. Embora
ainda tensa, estou feliz de estar aqui, nestes últimos momentos do
ano, e nem penso mais no que virá. Afinal, será apenas mais um
dia parecido com muitos outros. Afinal, nos rituais do ano novo, com seus
votos e resoluções, suas celebrações e pronunciamentos, o risco é
sempre esperar que as coisas mudem mais do que podem. Pensando bem,
o que eu sou mesmo é ...boa para o trabalho de cada dia
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