(eternamente grata a Sarah Valle e a todas
as viajantes - de palavra e ato - que iluminam
nossos dias e noites de leitura )
a manhã da viajante
acordei, o sol brilhando como nunca.
as viajantes - de palavra e ato - que iluminam
nossos dias e noites de leitura )
a manhã da viajante
acordei, o sol brilhando como nunca.
era dia de viagem, e a imagem da noite
anterior, ainda uma cena mediterrânea
de barcos quietos na bahia, uma mesquita
branca refletindo os sonhos do porto.
eu também vou seguir adiante,
te disse, porque entre a mulher
e o mar, são anos milhares, rastros,
gritos, alguns prazeres que não desistem
da memoria, um chiaroscuro ainda a
pintar.
segundo dia
quem já ouviu a fúria do vento nas velas
nunca esquece. entala no peito, enrosca nos cabelos,
ocupa a memoria. porém, para o navegante
experiente, é outra a historia: o mastro feito a mãos de
mestre resiste sempre à direção do vento, a traição
mais simples e mais certeira.
terceiro dia
era hora de desembarcar.
chuva e cheiro de outono. andar
descalça nas pedras da praia
e subir o morro que conduz à cidade.
senti a lama espalhar-se, as folhas
molhadas entre os dedos dos pés.
tentei pinta-las: o alaranjado intenso,
o formato preciso, como pequenas
mãos úmidas marcando caminho.
o gesto condescendente me segurou
por uns instantes, mas continuei
como sempre. é só se concentrar,
o trilho reaparece
quarto dia
era dia de feira. o sol que se
escondia voltou a esbanjar o povoado,
a colorir os mantos e a aquecer mais
esse vinho que se servia quente. me
ofereceram colares e brincos, e as
castanhas assadas que pude
aceitar, um par de olhos escuros me
indagando, "e você, quem é? "
ser forasteira pode sempre
ser bom, um enigma que
se preserva.
quinto dia.
sexto dia
à luz de uma lua antiga
e do óleo que ainda queima na
lanterna de bronze, arde em
mim o receio de prosseguir,
rumo mais uma vez ao sul.
a cabina da travessia cheira
a sal, a peixe. eu que começava
a amar demais a terra chovida,
os confiáveis jegues que levam
a lenha no lombo. não ha
nada mais escuro que a noite
no mar. o habitat suspenso.
os continentes perdendo seus traços
no horizonte
sétimo dia
a carta que escrevo
apenas reinventa. não
posso te contar o
primeiro sonho, ou como
enquanto o óleo secava,
sentia a febre subir. esses
olhos que me miravam
não eram os teus. me
prometiam desvendar
o labirinto do mapa.
caminhávamos lentamente
zelando pelo água, os
alimentos escassos. meus
passos não eram mais
de mulher, senão de
elefante, fêmea. ou de
tigre. íamos ao encontro
do que seria apenas
luz. apenas som.
apenas pele. sem
argumento algum.
apenas - e entre os
silêncios - o sim.
oitavo dia
hoje me descubro
membro de uma tribo antiga.
a história me escuta, e eu a ela.
partiram-se já meus navegantes
do Mar Vermelho, e as rústicas
cavaleiras das montanhas do Altai
mas juntos, somos. me delicio
na sensação dos pés descalços
sobre velhos minerais, grama, e o
pedregoso caminho do templo.
quis que me contasse as lendas
do teu povo. tento acoplar
meus passos aos teus. e nada adianta.
deve ser o sangue herdado das bruxas,
me criou impulso, me criou
estrada. apesar das pernas curtas
ou o cheiro de fêmea,ou os
lastros dos partos. não entendo
o que os deuses tanto falam
para os fieis. ou para seus pacientes
intérpretes. prefiro é viver
a passagem da escuridão ao
lado dos bichos, os camelos que
mastigam a noite toda, cabras,
bezerros. e você lá no meio
dos homens, horas de xadrez,
baralho, os copos do arak. o
sol nos aguarda em portos
diferentes.
segundo dia
quem já ouviu a fúria do vento nas velas
nunca esquece. entala no peito, enrosca nos cabelos,
ocupa a memoria. porém, para o navegante
experiente, é outra a historia: o mastro feito a mãos de
mestre resiste sempre à direção do vento, a traição
mais simples e mais certeira.
terceiro dia
era hora de desembarcar.
chuva e cheiro de outono. andar
descalça nas pedras da praia
e subir o morro que conduz à cidade.
senti a lama espalhar-se, as folhas
molhadas entre os dedos dos pés.
tentei pinta-las: o alaranjado intenso,
o formato preciso, como pequenas
mãos úmidas marcando caminho.
o gesto condescendente me segurou
por uns instantes, mas continuei
como sempre. é só se concentrar,
o trilho reaparece
quarto dia
era dia de feira. o sol que se
escondia voltou a esbanjar o povoado,
a colorir os mantos e a aquecer mais
esse vinho que se servia quente. me
ofereceram colares e brincos, e as
castanhas assadas que pude
aceitar, um par de olhos escuros me
indagando, "e você, quem é? "
ser forasteira pode sempre
ser bom, um enigma que
se preserva.
quinto dia.
as crianças do vilarejo se juntam ao pé da fonte. abro
meu coração para suas travessuras, tal como
uma vez
fiz para ti, abrindo as porteiras do pasto verde, vindo
todos os potrinhos e bezerros junto. mas hoje os
meninos dão infindáveis voltas ao poço, pescando
as moedas
que restaram ao fundo, todas tão ordinárias
como
um dia sem surpresas. só eu, que mudei
de língua
sem perceber.sexto dia
à luz de uma lua antiga
e do óleo que ainda queima na
lanterna de bronze, arde em
mim o receio de prosseguir,
rumo mais uma vez ao sul.
a cabina da travessia cheira
a sal, a peixe. eu que começava
a amar demais a terra chovida,
os confiáveis jegues que levam
a lenha no lombo. não ha
nada mais escuro que a noite
no mar. o habitat suspenso.
os continentes perdendo seus traços
no horizonte
sétimo dia
a carta que escrevo
apenas reinventa. não
posso te contar o
primeiro sonho, ou como
enquanto o óleo secava,
sentia a febre subir. esses
olhos que me miravam
não eram os teus. me
prometiam desvendar
o labirinto do mapa.
caminhávamos lentamente
zelando pelo água, os
alimentos escassos. meus
passos não eram mais
de mulher, senão de
elefante, fêmea. ou de
tigre. íamos ao encontro
do que seria apenas
luz. apenas som.
apenas pele. sem
argumento algum.
apenas - e entre os
silêncios - o sim.
oitavo dia
hoje me descubro
membro de uma tribo antiga.
a história me escuta, e eu a ela.
partiram-se já meus navegantes
do Mar Vermelho, e as rústicas
cavaleiras das montanhas do Altai
mas juntos, somos. me delicio
na sensação dos pés descalços
sobre velhos minerais, grama, e o
pedregoso caminho do templo.
quis que me contasse as lendas
do teu povo. tento acoplar
meus passos aos teus. e nada adianta.
deve ser o sangue herdado das bruxas,
me criou impulso, me criou
estrada. apesar das pernas curtas
ou o cheiro de fêmea,ou os
lastros dos partos. não entendo
o que os deuses tanto falam
para os fieis. ou para seus pacientes
intérpretes. prefiro é viver
a passagem da escuridão ao
lado dos bichos, os camelos que
mastigam a noite toda, cabras,
bezerros. e você lá no meio
dos homens, horas de xadrez,
baralho, os copos do arak. o
sol nos aguarda em portos
diferentes.