quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

TRÊS de Larissa Pelucio

Um conto escrito por Larissa:

Três

Ele se via diante de três possibilidades. Estava feliz. Três é um bom número. Os números ímpares têm arestas, deixam brechas que abrem possibilidade. São mais flexíveis, uma vez que oferecem mais plasticidade além da rigidez do par. Eram três. Deu um gole triunfante na cerveja e se sentiu ainda melhor. Quente e poderoso. Nunca tinha se visto assim. Sempre havia se sentido feio, inadequado. Desinteressante, nunca. Apenas não tinha a menor chance de mostrar tudo o que tinha por dentro. Aquele turbilhão de sentimentos, de filosofia, de descobertas incríveis feitas entre os livros e a solidão do desprezo.

Três. Estava vingado. Vingava-se da vida. E não era propriamente uma vingança, uma vez que não tinha raiva. Só prazer. Triunfo. César, Napoleão. Era isso. Estava cheio de poder. Um poder inebriante que não nascia da opressão, só da força. Da certeza que Era. Era muito bom Ser. Domino, logo existo.

Quantas descobertas. Quantos delírios. E um mundo inteiro lá fora. Zeus no Olimpo. Sátiro na terra. Baco à mesa. Deu um outro gole feliz e pensou nas três. Uma suficientemente conhecida para despertar ainda interesse. Na sua avaliação, depois de conhecê-la, ela era complicada. A outra, ingênua demais. Problemas futuros, com certeza. Meninas que batem pestanas enquanto falam dão problema, sentenciou com ares de sábio. Mas havia a de número três. Forte. Sarada. Durinha. Carne quente e, certamente, macia. Morena. As morenas são sempre as morenas. Eram três morenas. Era muita sorte. Com certeza, três era o seu número de sorte.

Virou-se para dentro de si mesmo, enquanto as palavras vinham fáceis. Fluíam certeiras, sem qualquer dificuldade. Ele sentia o efeito de suas palavras e saboreava-as. Um homem quando sai na noite se sente um guerreiro, pensou sem filosofia. Mas disse aquilo com uma maestria, com uma simplicidade confunciana. Estava dito. ...Sai pronto para o combate, para o enfrentamento. Nunca sabe exatamente o que vai acontecer. Nem se importa. Alguma coisa vai acontecer. Mulheres, não. Mulheres planejam. Arquitetam cuidadosamente. Armam teias ardilosas. São ótimas estrategistas, mas não entendem nada de logística. Por isso perdem. Saem premeditadas. Tudo foi estudado, excerto a possibilidade de se renderem de forma incondicional. Pronto, estão derrotadas. As mulheres sabem o que querem, por isso planejam. Homens temem todos os desejos que não sejam sexuais. Homens têm fome. Mulheres têm sonhos.

Era o efeito da cerveja. A cabeça fervia verdades axiomáticas, e tudo que um dia fora nebuloso e inacessível lhe era revelado. Mais um gole. Um brinde à superação dos recalques. Dio, como o tempo pode ser bom com a gente! E aquelas três ali. Elas o querem. A três querem. Cada uma de um jeito. Uma quer exercer seu poder; outra se sentir seduzida; a última, ser salva da torre por um príncipe de espada em riste. Ela é ingênua. Um perigo. Sabe, dessas que você tem certeza que grudam, que choram e, que pior de tudo, não dão? Não assim, na primeira noite. Nem na primeira semana. Mas não vamos descartá-la. É bom tê-la assim, aqui.

Satélites. Mulheres satélites fazem com que nos sintamos astros.
Cerveja demais?! Não. Astro, sim. Ele brilha no escuro daquele bar. Sua mente brilha e ele pode sentir que enfeitiça. A noite pode ser interminável. A cerveja pode ser interminável. Os satélites podem continuar ali para sempre. Ele controla a situação sem qualquer presunção de ser deus. Apenas astro.

Mas as mulheres não são satélites. Ela percebem. São percepitivas demais. Já sabem. Só uma será eleita e, como são amigas, preferem não entrar em atrito direto. Duas delas, oh não, vão-se embora. Não. Não. Não. Mas elas se levantaram. E se vão: uma triste, outra sonhadora.

The Game is over. Mais uma ficha, mais um gole. Ele estava com sorte. A número três ficou. Ela não era nem ingênua nem suficientemente conhecida. Ele não era assim normalmente, mas pensou que tinha ficado com o melhor pedaço. Desculpou-se para si mesmo. Amava as mulheres, ainda que as temesse, e não queria ser desrespeitoso pensando nelas como reses. Mas já não era ele que pensava. Homem com tesão não pensam. Júlio César, Sansão, Pares. Todos derrotados pelo tesão. Cleopatrás, Dalilas, Helenas são todas devoradoras. Mas a vida não é um épico nem uma lenda grega. A histórias das vidas de pessoas como nós são todas com “H” minúsculo. Não havia o que temer. Seria só mais uma noite agradável ao lado de uma mulher interessante, vivendo prazeres da carne. Só.

Mas as mulheres são imprevisíveis. Como entendê-las? Lá estava ela ali, a número três. Cada gesto dela dizia “vem”. Cada sorriso pedia mais. Vaidosa e envaidecida ela estava em jubilo. As outras duas haviam desistido, admitido que aquela noite era dela. Ele percebeu isso. Como homem arguto que era, viu tudo o que não se mostrou, mas se disse de forma muda. Ajeitou-se na cadeira. Só mais um gole. Sentiu-se confortável naquele corpo. Disse “vamos”, ela disse sim. Foram.

Aqueles terríveis segundos que separam o fim da dança do acasalamento até a hora de consumar o rito são intermináveis. Arrastados e opressores. Mudos e excitados eles andam em direção ao carro. Ela pensa em tantas coisas, mas nada é suficientemente pesado para tirar-lhe a leveza daquela certeza: ele a quer. Ela pensa nos próximos passos. O olhar, a aproximação, o beijo. Olha-o rapidamente para lembrar como era mesmo aquela boca. Pensou de novo no beijo, e já não estava mais tão certa de que o beijaria. Assim, de pé, ele não aprecia tão interessante. Foi inevitável: comparo-o com seu mais recente homem. Não. Ele não era nem mais gostoso, nem tão interessante. Ela nem sequer o amava. Não poderia. Já estava dentro do carro. Já estavam parados diante da porta de sua casa. Ela não poderia.

Ele não podia simplesmente beijá-la. Era uma impossibilidade do corpo. Travado parou para olhá-la quase pedindo. Ela o olhava quase se desculpando. No olho dela podia ver que ela queria, mas não sei porque porra, caralho, merda, ela não podia. Porra, caralho, merda. As outras duas! Porra, caralho, merda, ela foi embora com aquele olhar dissimulado. Sumiu rápido no vão da noite. Ele só. Ele só e com tesão pensou como era morna aquela mulher complicada e já conhecida. Imaginou como seria bom ter entre os dedos os pêlos aloirados das pernas ingênuas da menina que batia as pestanas ao falar.

Ele se via diante de três possibilidades. Estava cansado. Três horas da manhã. Descartou prontamente, duas das três possibilidades. The game is over. As fichas haviam acabado, a cerveja fermentava dentro de sua alma trôpega. Ele era um homem em estado de natureza. Tinha fome e tesão, sem nenhuma filosofia.

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