terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Outros rumos...

[primeira parte]

Finalmente, realizo um sonho da minha juventud: uma viagem ao terra dos Incas, ao Peru. A proposta da viagem surge em última hora; na verdade, pensávamos viajar para outro lugar, mais distante, desistimos da ideia – encarar de novo despesas em euro, trocar nosso tão desejado verão, mais uma vez, para o frio do continente europeu, etc. É assim que embarcamos, no final de janeiro, no final das férias que quase se acabam sem romper muito o ritmo costumeiro do trabalho, com passagens obtidas por “milhas TAM” e sem ter tido muito tempo prévio para informarnos ou nos preparar para o que vendrá...

No primeiro dia, vamos navegando as ruas barulhentas de Lima, um trânsito totalmente maluco de carros que parecem empilharse uns sobre outros, motoristas que não param de buzinar, cobradores de ônibus cujo trabalho parece consistir em pular do vêículo a cada quadra, anunciando a rota e chamando o pessoal para subir. Vou conversando com uma dos meus acompanhantes, a Julinha, de nove anos, quem já passou 15 dias nos Estados Unidos, conhece uma boa parte do Brasil – desde o sul e a cidade de São Paulo até as praias e capitais do nordeste brasileiro - e claro, tem assistido filmes e noticieros mostrando incontáveis imagens de todos os cantos do planeta. Por não dizer que antes de embarcar, eu não tinha perdido a oportunidade de falar com ela sobre o Peru, olhando o mapa e fazendo alguma fala, ainda bem “basicão” (afinal, que tanto sabia eu sobre o tema?) da sua história e cultura, tão embebida de raízes indígenas, histórias de resistência, conquista, sobrevivência, miséria... “Julia”, eu pergunto, “isto te lembra àlgum lugar que você já conhece?” Ela fica pensativa uns segundos e logo me responde, “Eu acho que … se parece com a Índia!”

Em Cuzco, ficamos num “Bed and Breakfast” econômico, longe do tão belo centro histórico, num bairro proletário … até a rua onde se localiza chama-se “Avenida Industrial”. Na verdade, os quartos ficam no quarto andar acima da casa dos donos, uma família que trabalha com o turismo. Subimos por uma escada caracol que dá ao andar onde ficam os hóspedes, e desde a qual se sente um leve cheiro de esgoto, pois é, problemas de encanamento. Nossos vizinhos, simpáticos, nos acordam antes da 7 da manhã, conversando e fazendo seu café ou assistindo t.v na área comum que fica de ladinho. Mas logo no mesmo dia, Macchu Picchu o compensa todo – embora inundado por um constante fluxo de turistas (há alguma outra possibilidade?), se conseguiu isolar um pouco o sítio (nada de banheiros e lixeiras lá dentro, só as ruinas e as paisagens inigualáveis, entre os picos das montanhas)- viajamos no tempo, respirando o ar mais puro que jamais sentimos, total admiração por um mundo tão astutamente elaborado a partir de um profundo conhecimento da terra e das estrelas... (como diz outra pequena menina brasileira que descia as escadas de pedra, conversando alegremente com a mãe – “Esses incas, eles eram muito espertos!!)


Nos próximos dias, percorremos vários sítios arqueológicos, tentamos conhecer um pouco da cidade de Cuzco e seus alrededores, vamos numa excursão pelo Valle Sagrado até o pueblito indígena de Chinchero, com uns dois mil habitantes. Lá assistimos a exposição proferida por Naydé, uma moça que trabalha explicando aos turistas, num espanhol ou inglês fortemente marcado pela intonação da sua língua materna, o quechua, como se fazem as mantas, chales e tapetes de forma tradicional, desde a lavagem da lã de alpaca com um sabão que se faz expremendo um tubérculo até o uso de ervas, flores e o milho azul, para obter as tintas. Um saber que se passa de uma geração de mulheres a outras. Andamos um pouco pelas ruas, conhecemos a catedral. Meu filho fica, como sempre, indignado. “E esses malditos espanhóis com seu catolicismo, como conseguiram! Aqui todo mundo, indígenas e não, acreditam em tudo isso!” Eu me encanto com o lugar, com suas ruas de pedra, suas casitas de adobe, as crinças que brincam, as menininhas que se aproximan de nós para vender bonecas feitas “por nuestras mamás”, o atardecer que cai enquanto por aí caminhamos. Mais tarde, nosso guia nos disse– “Pero no se crean, estas personas tienen mucho dinero!” “Como assim?”, pergunta, incrédula. uma senhora italiana que faz parte do nosso grupo. “Pues si, acaban de aprobar la construcción del aeropuerto internacional de Cuzco, aqui en Chinchero. Saldrán los vuelos directos de Europa para acá, muy cómodo para los turistas que vienen por un sólo dia, sólo para conocer Macchu Picchu. A algunos de aqui les conviene, a outros no...”. Na saída do pueblito, vejo as letras carrafais pintadas num muro- "Si hay atropelo a nuestros derechos, no hay aeropuerto! Chinchero es tierra indígena!"
E por aí rola a história...
Eu como simples turista, me impressiono com tantas coisas – as senhoras indígenas que nos assediam constantemente para que compremos suas artesanatos (se pudiera, lhes comprava uma coisa a cada uma!), as casinhas de barro dos pueblitos e as crianças andando pelos campos com seus cachorros e alpacas como fieis companheiros, a pobreza tão visivel de quase todos, os cartazes pré-eleitorais (mas eu não estou informada, não sei quase nada sobre a política atual peruana, só vi um artigo num jornal no qual um candidato que apoia o direito ao aborto e as parcerias civis – ah, pós-modernidade! - é duramente castigado por atentar contra a “lei natural” da sociedade – é, velhos discursos que já conhecemos...)...

(a continuar)

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