segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Fragmento traduzido: Diane pensando sobre seu tempo.

De Diane di Prima, RECOLLECTIONS OF MY LIFE AS A WOMAN “Certos tempos, certas épocas, vivem na nossa imaginação como maiores do que ‘realmente’ tenham sido, e sempre há um preço a pagar por isso. São, se você olhar de perto, tempos em que a fronteira que separa a mitologia e a vida cotidiana se borra. É como se os arquétipos emergissem do seu aprisionamento, e por algum tipo de consenso coletivo nós, ou muitos entre nós, simplesmente escolhemos um mito e o vivemos, ignorando as restrições do chamado ‘mundo real’. Ou talvez fomos de certa forma escolhidos pelo mito que fomos destinados a viver. Por vezes com uma velocidade fatal. Este encontro de mundo e mito é para onde todos pensávamos estarmos encaminhados. Onde queríamos estar, era tão belo. Colorido, luminoso e mortal, como flores tropicais. Mas não tinha escala humana. Não estava feito às nossas medidas. Mas nós não conseguíamos enxergar isso. Pensávamos que éramos deuses. Refere-se muito aos ‘Anos 60’ como um tempo deste tipo, embora geralmente isto se remeta apenas ao ‘Verão do Amor’ e aquilo que o seguiu, 1967 e 1968. A ponta do iceberg, na minha opinião. Para mim, a maior parte da década de 1960 e o que veio na seqüência, até mais ou menos 1976, banhava-se nos ares do mítico. Era um tempo em que os arquétipos perambulavam as ruas de Manhattan, misteriosos e por vezes mortais, em que os anjos, maus espíritos e outros sonhos daquilo que poderia ser repousavam no nosso cabelo e se recusavam a ser afastados. Um tempo em que as criaturas que viviam nos mundos nevoentos de San Francisco nos pareciam tão cotidianas quanto o verdureiro da esquina. Tínhamos lutado tanto tempo e tão furiosamente para encontrar, para poder fuçar o mundo dos nossos sentimentos, nosso conhecimento secreto, nossas intuições, que era como se Algo nos tivesse pego, pegasse uma mão nossa enquanto nos deslizávamos por alguma brecha, e agora esse Algo nos puxasse. Para baixo. Por que tão seguramente como a gente sabia que atrás das fachadas que nossos pais habitavam, havia um mundo de sentimento humano, atrás desse mundo havia outro que procurava tomar posse de nós. O que eu chamo o Mundo dos Arquétipos. Feixes inexoráveis de sentidos da alma, que por vezes se vestiam de formas humanas ou humanóides, por vezes andavam entre nós. Sem consciência e sem remorso. E tão belo! Agora eu os posso dizer, atrás dos Arquétipos descansam padrões ou texturas impessoais de energias que podemos chamar Orisha. Ou Yidam. E atrás disso, talvez dance o Vazio, nem preto, frio e oco com o imaginávamos, mas dançando na luz, relâmpagos difusos que se estendem como uma serie de superfícies por cima do nada. Movimentando-se com mais velocidade do que o olho possa registrar. Mesmo o olho da mente. Nossa queda foi – foi tão bela! E nós, que substituíamos religião, família, sociedade e ética com a Beleza, que nos enxergávamos ao serviço da Beleza, não compreendíamos nenhuma advertência, não antecipávamos nenhuma armadilha. Cair, ao serviço de Aquilo – isso era a graça última. Mas os arquétipos têm sua própria drama: um vasto ciclo não mapeado de Comedia dell’ Arte, e fazem seu jogo através de nós, sem nosso consentimento informal. E sem, finalmente, nenhuma preocupação pelos desejos humanos. E não é sem motivo que a ciência de nosso tempo nos entrega a imagem, o fato ou a metáfora das placas tectônicas. Continentes da terra boiando sobre um miolo de magma fundida. Como nós também boiamos, derretendo-nos um pouco, mudando de forma. Chocando uns contra outros, levantados por, dependendo de, em total troca química com aquele material fundido que aqui chamo de Arquétipos. Que parece irromper na superfície onde quer que as placas são finas. As placas eram muito finas em 1964." versão: Miriam Adelman

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