sábado, 22 de junho de 2013

O Enchente/The Flood - Louise Erdrich

O Enchente

Eu tinha doze anos aquela vez que dormi na terra.
O quarto perfeito de madeira estéril,
era o melhor lugar, o porão.
No ritmo dos aparelhos domésticos
uma criança dorme como se não tivesse nascido.
A máquina de lavar rimbombava ao longo da noite
como um emotivo coração, a geladeira batia,
resgatava os ossos e discutia,
o radiador um pulmão que ardia,
mas eu estava segura, entre os tubos
do encanamento


Em cima, quando tudo tinha ruido,
Escutei meus pais rearranjando os estragos do dia
até formar uma cama.
Ouvia minhas irmãs cavando com suas patas,
se enfiando sob as tabuas.
Dai começou a nevar, implodindo o céu,
ao redor de nós numa formação vazia.

Na primavera aconteceu, como deveria ser.
A chuva violenta irrompendo por trás dos muros
me empurrou para fora do alçapão
navegando numa banheira azul redonda.
Num telefone feito de latas e corda
meus irmãos me chamaram.
Alfa! Na escuta?... Mais eu já tinha ido.
O rio martelava e borbulhava entrando pelos ralos,
a corda rompeu, suas vozes ferozes como a dança dos
pernilongos na cabeça de um alfinete, nublando as ruínas
que eu deixava atrás, o enchente me apressando sobre
sua larga superfície, rasgando minha camisola, minha
manta de ferrões

Deixei atrás de mim uma espuma branca, a rede
se arrastando em baixo da água até os pés dos irmãos e irmãs.
Agora eu temo por eles, pisando
nas aberturas e sendo sugados
na corrente da minha sorte. Entenda:
é como se eu pudesse escapar só ao abandonar tudo.
Não pensei naquilo que ficava atrás,
entrançado entre grossas raízes, as paredes de terra
sob ameaça, os fios se desprendendo dos postes
deslizando-se, vivos e perigosos, para dentro d'água.

- Louise Erdrich


Versão: Miriam Adelman

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