sábado, 26 de abril de 2014

Estradas da vida I.



Do prefácio do livro de Candace Savage, Cowgirls (Berkeley: Ten Speed Press, 1996) :

"Quando eu era menina, em meados da década de 1950, o que mais queria era ser vaqueira.  Mas foi apenas muito recentemente que me ocorreu que tal ambição poderia ser estranha. Vaqueira? Não tinha vaca nenhuma nas vizinhanças!  Eu morava na cidade, e o campo ao outro lado da rua não servia como pasto senão como pista do aeroporto. Quanto aos cavalos, as montarias de madeira do carrossel era todo o que se tinha de selvagem.
Ser vaqueira era muito mais divertido do que ser uma pequena dama, esta última o que aparentemente meus pais queriam que eu fosse.  Pequenas damas [senhoritas] usavam luvas brancas para ir à igreja ou tomar o chá da tarde com suas bonequinhas. Eram limpinhas e quietinhas e nunca raspavam a ponta dos pés dos seus sapatos de couro envernizado.  Mas as vaqueiras se vestiam de camisa e calça jeans e corriam com os meninos.  Atiravam pistolas e gritavam e faziam todo tipo de barulheira. “Bangue, bangue, te acertei!  Você tá morta!”  “Não, não tô;  não me acertou!Isso que era vida! As mulheres do meu bairro eram mães e esposas em tempo integral e eu sabia que era para eu algum dia me tornar igual a elas. Mas me virar uma senhora tampouco me parecia muito divertido. Decidi em lugar disso ser vaqueira e brincar igual aos meninos. Foi meu primeiro impulso em direção àquilo que chegaria a ser reconhecido como “liberação de gênero”.


O fato é, se eu pudesse, eu teria gostado de ser vaqueiro.  Não que eu achasse uma pena ser mulher. Mas eu percebia que ser homem trazia certas vantagens. Por exemplo, tinha a questão dos coldres e das pistolas. Todos os meninos do bairro tinham os seus, mas meus pais não me os permitiam; diziam que arma não era brinquedo.  Teriam eles imposto esta regra se tivessem um filho?  Era claro para mim que eu não tinha revólver porque era menina.  Assim como não era justo que Roy Rogers monopolizasse a ação na t.v. e que Dale Evans rara vez conseguia fazer algo. Nunca ninguém mandava Roy Rogers ao café buscar sanduiches.
Brincar de vaqueira:  era brincadeira de criança mas distava muito de ser trivial. Me apresentou tanto à parte atrativa quando à dificuldade de ser mulher num mundo que era dos homens.  Foi a vaqueira que me pôs no caminho do feminismo, e talvez tenha conduzido muitas outras meninas por essa trilha promissora.  Porque eu não estava sozinha nas minhas fantasias do Velho Oeste. Havia milhares de jovens vaqueiras, todas faceiras nos seus chapéus e coletes, galopando a todo vapor pelos gramados arrumadinhos das casas dos subúrbios dos anos cinquenta.  Vinte anos mais tarde, elas sairiam de casa em massa, colocando sua paixão e energia a serviço da construção de um movimento de mulheres.  Teriam elas brincado de vaqueira , como primeiro passo rumo a esse horizonte?"

Tradução:  Miriam Adelman
Imagem:  Miriam Adelman



 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Diário de campo