quinta-feira, 15 de maio de 2014

Sobre cavalos e humanos. (Tradução)



 Do livro de Jane Tompkins, "West of everything:  the inner life of Westerns "  (Oxford University Press, 1992):

" Então a questão é a seguinte: o que fazem os cavalos nos filmes de faroeste?  Sua presença nos parece natural, mas durante grande parte do século XIX os cavalos pouco apareciam nos romances populares. Sua aparição paulatina – primeiro nos dime novels[1], depois em grandes best-sellers e em filmes, ao começo do século XX – coincide com o desaparecimento dos cavalos da vida cotidiana, onde foram empregados como animais de trabalho e como meio de transporte.  Isto sugere que os cavalos nos preenchem nosso anseio de ter um tipo diferente de existência. Anti-modernos, anti-urbanos e anti-tecnológicos, eles significam uma existência sem carros e telefones e electricidade.  Mas podemos ter narrativas que se desdobram no sítio ou pequenas vilas, que abraçam a vida simples sem preenche-las com cavalos?  Porque cavalos particularmente? E porque só de determinado tipo? Pois não é principalmente o animal de tração que associamos aos filmes de faroeste, ou o cavalo como animal de exposição, senão os cavalos montados por homens, entrando ou saindo da cidadezinha a galope rasgado, esboçados no planalto olhando para longe, ou vindo a todo vapor na tua direção puxando uma diligência fugitiva, tocando bezerros perdidos que se aproximam a um
despenhadeiro ou simplesmente correndo selvagens e livres.


Com os cavalos nos remontamos à alguma coisa no passado, lá pelos anos 1870, 80 e 90 após a Guerra Civil.  Mas o que trazem não é só alguma noção geral da existência humana.  As pessoas têm contato físico próximo com os cavalos, os tocam;  apertam seus corpos humanos contra os dos seus animais. Que antes de mais nada são vivos, grandes, poderosos e velozes.  Que não são humanos mas não escapam do controle humano; são perigosos, até letais, mas maleáveis à vontade humana.


A chave para aquilo que os cavalos representam nos filmes de faroeste é muito simples. Está no fato que o corpo do cavalo descansa sob o corpo do cavaleiro, entre o ser humano e a terra.  Os cavalos exprimem nossa necessidade de uma conexão com a natureza, com o selvagem. Mas é a natureza em uma forma particular.  Não os pássaros que cantam nem a força do córrego nem as violetas ao lado de pedras cobertas de musgo, mas  potência, movimento e força posto sob controle e em contato com o corpo humano. É por cima de tudo é  a existência física dos cavalos que os torna indispensáveis nos filmes de faroeste. Sua presença dinâmica e material, sua energia e corporalidade mandam sinais aos corpos dos espectadores, aos nossos corpos. Um filme trás outro começa com a pequena figura de cavaleiros esboçados contra o horizonte, crescendo conforme se aproximam da câmera, até você poder ouvir as batidas do seus cascos, ver o branco dos seus olhos, excitar-se com sua massa e movimento. Chegam até a câmera , para que possamos sentir o prazer vicário do contato com sua pele, seu hálito, sentir sua força e seu fôlego, absorver o fluir de sua força.  Os cavalos estão aí para nos mobilizar.  Mas do que qualquer outro elemento do gênero, eles simbolizam o desejo de recuperar alguma conexão com  a vida que foi perdida.” 
( pp.93-94)

Tradução:  Miriam Adelman



[1] Tipo de literatura que caracteriza o início do mercado editorial norte-americano, no final do século XIX e início do século XX.  O  termo vem do preço dos livros : "dime" refere-se à moeda de dez centavos do dólar.  

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