para nc
Conversando recentemente com um amigo meu sobre uma dessas temáticas nossas mais recorrentes - relações amorosas, formas de ser e estar no mundo de mulheres e homens hoje, formas de apego das pessoas às pessoas - me veio à memória um poema de Rainer Maria Rilke que havia lido, anos atrás, numa revista de letras norteamericana. Na época, quando o li pela primeira vez, me chamou a atenção e gostei dele o suficientemente para tomar o tempo para recortá-lo, levar para fotocopiar (as fotocópias, a gente sabe, costumam resistir mais o passar dos anos do que o papel fino e fácil de manchar do jornal) e guardar. Curiosamente, tempo depois – estando no meio de pesquisa para um texto sobre a produção literária e cultural das mulheres – tive motivo para lembrar muito dele. Mais de um dos autores que lia, ao comentar sobre sensibilidades “modernistas” no masculino e no feminino, assinalava que Rilke, quem escrevia belos textos satirizando o desejo de posse – atitudes ou comportamentos que procuram possuir, aprisionar, reter para sempre um outro ser - na sua própria pratica parecia padecer de uma tendência contrária: a falta de capacidade de se apegar (muito) às pessoas, e particularmente, às mulheres que passavam por sua vida. Ou seja, o que por um lado aparece como rebeldia libertária (“ critique of the property inscriptions and the violence of male possessiveness in the bourgeois institutions of love and marriage” – *) poderia facilmente se tornar a recusa da conexão com o Outro. Construía -se um “masculino heróico” (talvez menos em Rilke do que em outros escritores representativos ) no qual a independência, a liberdade e a criatividade construíam-se em oposição a vínculos firmes, principalmente com membros do sexo feminino - elemento comum este, aliás, a vozes de homens que escreviam em outras épocas, e sendo particularmente notável na obra dos escritores da geração beat norteamericana.
As vezes quase parece que nunca conseguimos sair de um mesmo terreno muito cheio de armadilhas. O mundo muda um pouco, sim (entre outras coisas, durante todo o século XX, são muitas as escritoras que ponderam formas de significar a liberdade “no feminino”, conjugando-a também com a conexão). E há quem argumenta (o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em primeiro lugar) que estamos no momento das “relações líquidas” – as sociabilidades são mais frágeis e a tendência é de fugir dos compromissos “mais sólidos” que caracterizavam outras épocas da modernidade, com evidentes perdas para nossa vida em comum. Embora eu não endosse muito as teses de Bauman, por inúmeros motivos que não poderei discutir aqui, talvez pudéssemos dizer que há mais mulheres hoje, entrando na modalidade “líquida” dos homens. Se esta, a final de contas, não a consideramos tão nova, e mais uma generalização de uma tendência com raízes numa vertente da rebeldia modernista. Estamos perante a novidade? Ou meramente reproduzimos antigas dicotomias de comportamento masculino e feminino? Qual a relação entre “liberdade” e “conexão” ? São questões que tem todo a ver com o cotidiano que quase tod@s vivemos, embora os elementos nos pareçam mais abertos, menos presos a formulações binárias e mais prováveis que se apresentem de formas ainda... mais complexas!
Talvez tenha exagerado na digressão. Volto agora ao poema em si, que lembro ter lido, a primeira vez, “apenas” pelo prazer do texto. Posso hoje compartilhá-lo com vocês, para ler, curtir, e quem sabe, trocar umas reflexões sobre estes assuntos que não têm “ponto final”... (Agradeço aqui à tradutora, pela gentileza de permitir esta reprodução do seu trabalho.)
Rainer Maria Rilke
You need not be afraid, God (from The Book of Hours)
You need not be afraid, God. They say: my
to all the things that will be patient.
They are like wind that brushes against branches
and says: my tree.
They hardly feel
how everything their hands grasp glows red-hot
so that they could not even by its outer hem
hold on to it and not burn down to ashes.
They will say my as sometimes someone likes
to call the Duke a friend, in talk with peasants,
but only if the duke is great – and very far.
They will say my of their peculiar walls
not knowing even who is master of their house.
They will say my and call it property
while everything shuts down if they come near,
just like an obsolescent charlatan
perhaps will say the sun is his, and lightning.
Like this they say: my life, my wife,
my dog, my child, and know full well
that all that: life and wife and dog and child
are foreign forms, with which they blindly
and with their hands outstretched sometimes collide.
Certain of this, of course, are only great ones,
the ones who long for eyes. For all the others
don´t want to hear their impoverished wandering
does not cohere with anything around,
that, while they´re pushed away with all their havings
and not acknowledged by their property,
they have the woman no more than the flower
which is of foreign life to anyone.
Don´t fall, God, out of equilibrium,
He, too, who loves you and who recognizes
your face in darkness – if he, like a flame,
will shudder in your breath – does not possess you.
And even if someone will grasp you in the night
so that you must arrive into his prayer:
you are the guest
who will go again.
Who can embrace you, God? For you are yours,
by no proprietor´s hand disturbed,
like wine which while it is not yet mature
and growing ever sweeter, is its own.
“Du mußt nicht bangen, Gott.” American Poetry Review, back
cover, Jan/Feb 1999.)
Traduzido do alemão por Silke-Maria Weineck, U. of Michigan.
* Andréas Huyssens, “Paris/Childhood: the Fragmented Body in Rilke´s Notebooks of Malte Laurid Brigge” In: Huyssen & Bathrick, orgs. Modernity and the Text: Revisions of German Modernism. NY: Columbia U. Press, 1989, p. 136
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En mi opinión el problema es el de siempre: la mujer se quiere liberar del dominio del hombre, pero al mismo tiempo quiere tener con el hombre una relación de pareja "estable". Es decir las ventajas del matrimonio tradicional sin sus inconvenientes...
ResponderExcluirSoy agnostico y entiendo tanto la necesidad de encontrar el amor verdadero como la de creer en otra vida, para dar sentido a esta. Son necesidades muy humanas, y no faltan embaucadores bienintencionados. No soy tan drástico como Epicuro, que dijo:
"Los Dioses no existen, y si existen, no se ocupan de nosotros".
Para volver al tema de la posesión: ya sé que no tengo nada, salvo el amor que doy a los que quiero, y quizás el que recibo... Ya me basta. También tengo una edad aceptable (43), un tamaño envidiable (2m), un buen sueldo, una muy futura posible bonita herencia, unos estudios y pocas cargas económicas. Por tanto soy un buen partido para una mujer "casadera", teniendo en cuenta las leyes sobre parejas de hecho y matrimonios vigentes en España. Eso también ha de entrar en cuenta en la balanza del "amor".
Y para acabar, una canción de Joan Baez, del mismo tema pero con otro enfoque: La mató porque era SUYA :-D
EL PRESO NÚMERO 9
Al preso número 9
Ya lo van a confesar
Está rezando en la celda
Con el cura del penal
Porque antes de amanecer
La vida le han de quitar
Porque mató a su mujer
Y a un amigo desleal
Dice asi al confesor:
Los maté, sí señor,
Y si vuelvo a nacer
Yo los vuelvo a matar
Padre no me arrepiento
Ni me da miedo la eternidad
Yo sé que allá en el cielo
El ser supremo me juzgará
Voy a seguir sus pasos
Voy a buscarlos al mas allá, Ay, ay, ay!
El preso número 9
Era un hombre muy cabal
Iba la noche del duelo
Muy contento a su jacal
Pero al mirar a su amor
En brazos de su rival
Sintió en su pecho el rencor
Y no se pudo aguantar
Al sonar el clarín
Se formó el pelotón
Y rumbo al paredón
Se oyó al preso decir
Padre no me arrepiento
Ni me da miedo la eternidad
Yo sé que allá en el cielo
El ser supremo me ha de juzgar
Voy a seguir sus pasos
Voy a buscarlos al mas allá, Ay!
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