Do prefácio do livro de Candace Savage, Cowgirls (Berkeley: Ten Speed Press, 1996) :
"Quando eu era menina, em meados da década de 1950, o que
mais queria era ser vaqueira. Mas foi
apenas muito recentemente que me ocorreu que tal ambição poderia ser estranha.
Vaqueira? Não tinha vaca nenhuma nas vizinhanças! Eu morava na cidade, e o campo ao outro lado
da rua não servia como pasto senão como pista do aeroporto. Quanto aos cavalos,
as montarias de madeira do carrossel era todo o que se tinha de selvagem.
Ser vaqueira era muito mais divertido do que ser uma pequena
dama, esta última o que aparentemente meus pais queriam que eu fosse. Pequenas damas [senhoritas] usavam luvas
brancas para ir à igreja ou tomar o chá da tarde com suas bonequinhas. Eram
limpinhas e quietinhas e nunca raspavam a ponta dos pés dos seus sapatos de
couro envernizado. Mas as vaqueiras se
vestiam de camisa e calça jeans e corriam com os meninos. Atiravam pistolas e gritavam e faziam todo
tipo de barulheira. “Bangue, bangue, te acertei! Você tá morta!” “Não, não tô;
não me acertou!" Isso que era
vida! As mulheres do meu bairro eram mães e esposas em tempo
integral e eu sabia que era para eu algum dia me tornar igual a elas. Mas me
virar uma senhora tampouco me parecia muito divertido. Decidi em lugar disso
ser vaqueira e brincar igual aos meninos. Foi meu primeiro impulso em direção àquilo
que chegaria a ser reconhecido como “liberação de gênero”.
O fato é, se eu pudesse, eu teria gostado de ser
vaqueiro. Não que eu achasse uma pena ser
mulher. Mas eu percebia que ser homem trazia certas vantagens. Por exemplo, tinha
a questão dos coldres e das pistolas. Todos os meninos do bairro tinham os
seus, mas meus pais não me os permitiam; diziam que arma não era brinquedo. Teriam eles imposto esta regra se tivessem um
filho? Era claro para mim que eu não
tinha revólver porque era menina. Assim como não era justo que Roy Rogers monopolizasse a ação na t.v. e que Dale Evans
rara vez conseguia fazer algo. Nunca ninguém mandava Roy Rogers ao café buscar
sanduiches.
Brincar de vaqueira:
era brincadeira de criança mas distava muito de ser trivial. Me
apresentou tanto à parte atrativa quando à dificuldade de ser mulher num mundo
que era dos homens. Foi a vaqueira que
me pôs no caminho do feminismo, e talvez tenha conduzido muitas outras meninas
por essa trilha promissora. Porque eu
não estava sozinha nas minhas fantasias do Velho Oeste. Havia milhares de
jovens vaqueiras, todas faceiras nos seus chapéus e coletes, galopando a todo
vapor pelos gramados arrumadinhos das casas dos subúrbios dos anos
cinquenta. Vinte anos mais tarde, elas
sairiam de casa em massa, colocando sua paixão e energia a serviço da
construção de um movimento de mulheres.
Teriam elas brincado de vaqueira , como primeiro passo rumo a esse horizonte?"
Tradução: Miriam Adelman
Imagem: Miriam Adelman