[Nina Adel, minha irmã, mora em Nashville, TN. A tradução do inglês é de Claudia Borio]
Olhando para o outro lado do beco onde fica o apartamento de Baromeo D., com nossos apartamentos de frente um para o outro e as latas de lixo embaixo, eu coloco vários espelhos grandes nas paredes ao lado das janelas. Dessa maneira eu posso ver tudo o que ele faz lá quando as suas cortinas estão abertas, o que acontece na maior parte do tempo. Nesses espelhos aprendi algumas técnicas excelentes para cortar vegetais e fazer um bom molho vermelho, marinar tofu, para limpar pincéis e para fazer exercícios vocais antes de cantar. Ele também tem espelhos, mas meu apartamento, para o qual eles estão apontados, tem uma disposição diferente do dele, e tudo o que ele pode aprender com os seus espelhos é como entupir a esmo um minúsculo closet com centenas, talvez milhares de papéis, caixas e livros.
Espiar é uma maneira fabulosa de melhorar a sua a auto-estima. Você pode ver seu vizinho ou amante ocasional se preparando cuidadosamente para o encontro que ele terá mais tarde com você naquela tarde, um sorriso no seu rosto enquanto ele põe a mesa, arruma a cama de um certo jeito, afofa os travesseiros e os coloca com cuidado, levanta uma sobrancelha ousada enquanto separa a música exata para o tipo de noite que ele planejou. Mas então, no dia seguinte, enquanto você ainda brilha com as recordações da noite que passou com ele, você o vê realizar os mesmos atos, com expressões muito parecidas, aprontando-se para a visita de uma loira alta e magra que usa shorts e uma camiseta, e que passa por sua porta precisamente às 18:57h. E de repente espiar já não parece tão fabuloso quanto antes. (Isto também é verdade quanto a ler o diário de seu namorado ou as cartas antigas de seu parceiro, por favor – eu sei do que estou falando aqui – pare de lê-las imediatamente, vá para outro cômodo, coma uma cenoura com molho de maionese ao invés disso).
Há exatamente três de nós nos próximos meses: a loira de camiseta, a dançarina de cabelos negros e pele cor de canela, e eu, é claro, com meus cabelos escuros e crespos com visual judaico, dando a meu vizinho a diversidade que aparentemente ele aprecia tanto. Mas quem sou eu para reclamar? Se eu pudesse ter tudo o que eu queria, eu veria muito mais o tocador de conga caolho e um pouco barrigudo do outro lado da cidade, que definitivamente não pode se deixar revelar pelos espelhos de Baromeo, ou sua esposa o jogaria porta afora e toda a comunidade estaria pegando em armas.
Eu não acho que as outras duas mulheres saibam que eu existo, mas eu obviamente sei sobre elas, portanto Baromeo não se preocupa muito com encontros públicos. Ele até mesmo me levou a uma apresentação de dança da moça de pele cor de canela, e ao local de trabalho – um restaurante vegetariano – da loira. Se eu não me sentisse completamente embriagada e sem cabeça para nada na companhia de Baromeo, eu teria recusado esses convites, fingindo ter outros planos e nunca admitindo ciúmes ou sentimentos de concorrência. Ao invés disso, eu fingi desejar muito mais o conguero casado. Com freqüência eu desejo mais o conguero casado.
Baromeo é um irlandês alto, de cabelos claros e traços fortes e bem desenhados. Ele é também um ótimo cozinheiro, um excelente fotógrafo, um ator de sucesso no teatro local, um terno professor de criancinhas, um pianista, um cantor com ótima voz, um conversador brilhante, um ativista político e um partidário de causas ambientais. Eu não consigo imaginar como alguém poderia não deseja-lo, como qualquer uma de nós três poderia desistir dele voluntariamente. Eu mal consigo assistir um filme até o final na casa dele sem praticamente derreter na sua cama. Helen, a loira do restaurante, porém, não parece tão interessada. E a dançarina nunca fica a noite inteira.
Várias noites por semana nós jantamos juntos na sua varanda. Nós combinamos o que quer que ele tenha cozinhado com o que eu fiz, o que me força a me tornar uma cozinheira melhor. Da minha sacada, eu canto uma triste balada para ele, e através do beco ele fica de pé na varanda cantando para mim a versão de Al Jarreau para “Spain” – forte e rápido – o que me força a aprender a cantar Al Jarreau ainda mais rápido. Na creche onde ambos trabalhamos em tempo parcial, ele faz brincadeiras maravilhosas com as crianças de três anos, o que me força a fazer brincadeiras ainda melhores com as de quatro. Quando não está jantando comigo (ou dormindo com a loira ou a dançarina), ele tem grandes festas e reuniões, o que me força (quando não jantando com ele ou procurando meu conguero casado) a receber ainda maiores, mais diferentes festas com música que chega ainda mais longe do que as festas dele.
Todavia, quando chegamos à Organização do Lar, eu finalmente reconheço que não posso com ele. Baromeo é tão organizado e caprichoso que ele conseguiu obter um quarto para música, um estúdio para editar filmes e revelar fotos, uma grande biblioteca, uma coleção de utensílios e temperos para cozinha, um guarda-roupa completo e todas as suas lembranças de infância em dois cômodos e meio, um apartamento de um andar sobre uma garagem. Eu estou me afogando em um tumulto de livros, papéis, fotos, cadernos, coisas velhas que eu nunca uso, e coisas novas que eu não consigo encontrar sob as velhas, um violão que eu não toco muito bem coberto com folhas de músicas e dúzias de canções inacabadas, e por último, os ingredientes de uma multitude de caldos e sopas e caçarolas internacionais que eu planejo cozinhar assim que eu conseguir limpar o fogão e os balcões.
Uma tarde, quando consigo limpar minha casa para receber companhia, graças aos poucos metros cúbicos que sobraram de espaço em meu closet, uma amiga de meu pai vem à cidade para um retiro e vem passar a noite. Eu estou aproveitando a conversa com ela, tomando vinho e servindo pequenos aperitivos depois de sair para ouvir música, quando o telefone toca e é o meu homem tocador de conga casado. Sua esposa está fora da cidade, e ele tem música muito sedutora tocando ao fundo.
“Eu senti falta de você”, ele diz, “você não pode vir hoje à noite? Eu tenho que ver você. Meus vizinhos também viajaram, por isso você poderia ficar toda a noite, e provavelmente não terá que sair se esgueirando pelos fundos”.
Apesar de eu ficar tentada por essa última parte – não ter que sair me esgueirando pelos fundos – é fácil dizer não e deixar o telefone, pois minha visita está sentada a cerca de meio metro de mim. Quando eu desligo, porém, começo a chorar e conto tudo a ela, o amante casado, o vizinho romanticamente ocupado, coisas não tão apropriadas para revelar a uma amiga de meu pai. Ela me garante que daqui a alguns anos eu dificilmente vou me recordar desses homens e suas manias. E apesar de eu usar quase todos os lenços de papel enxugando minhas lágrimas, na verdade faltam apenas alguns meses para eu me mudar para a Costa Leste e estudar na American Academy of Dramatic Arts, portanto a sua teoria é bastante plausível.
A mudança revela-se uma ótima maneira de escapar de minha relação competitiva com Baromeo, mas nós continuamos em contato por um certo tempo. Um dia, quando estou temporariamente vivendo em um minúsculo cômodo – na verdade uma varanda fechada – de minha prima no Brooklyn, ele liga.
Enquanto eu converso com ele, sentada em minha varanda, ele está sentado na sua, lá no Novo México, vendo meu velho apartamento sendo limpo para o próximo morador. Ele está rindo dos seis mil sacos de lixo que o pessoal da limpeza tirou de meu closet.
“Você não levou nada, Anna?” – ele pergunta.
Na verdade levei, digo a ele, mas apenas o necessário. Você poderia dizer que eu fugi correndo da cidade. Eu deixei até mesmo o meu carro para trás, um Chevy Biscayne 62, prateado e vermelho, que ficou lá na rua. Alguns meses depois, alguns caras o rebocaram e fizeram dele um carro transformado, para cafajestes passearem.
Baromeo e eu dizemos adeus, mas eu não me levanto para devolver o telefone no gancho. Eu escuto minha prima na casa atrás de mim e continuo olhando para a chuva suja do Brooklyn, esperando para ver o que será de mim.
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